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CRÍTICA [STREAMING] | "The Pitt" (1ª Temporada), por Kal J. Moon

Criada por R. Scott Gemmill, a primeira temporada da série "The Pitt" tem no numeroso elenco nomes como Noah Wyle, Tracey Ifeachor, Patrick Marron Ball, Supriya Ganesh, Fiona Dourif, Taylor Dearden, Isa Briones, Gerran Howell, Shabana Azeez e Katherine LaNasa - dentre muitos outros -, atestando a máxima popular: feijão com arroz, quando bem feitinho, pode, sim, ser uma refeição completa.


Um dia de cão
A série "The Pitt" já nasce em meio à turbulência, uma vez que, alegadamente, a Warner Bros. Discovery teria entrado em contato com os herdeiros do romancista Michael Crichton (1942-2008) para pedir autorização para criação de uma espécie de reboot da clássica série "E.R." (aqui, "Plantão Médico"), qual Crichton ajudou a conceber e até escreveu o primeiro episódio. Só que, em meio às negociações, aparentemente uma decisão foi tomada e alguém resolveu criar uma série completamente "nova", ainda que se passando num hospital e tendo o ator Noah Wyle (que atuou durante anos em "E.R.") no papel principal.

Os herdeiros de Crichton alegaram se tratar de um plágio, mesmo que não haja nenhum personagem de "E.R." ou citação a eventos relacionados à tramas anteriores e nem se passe no mesmo local ("E.R." se passava num hospital em Chicago, Illinois e "The Pitt" se passa em Pittsburgh, Pensilvânia - a mais de 6 horas de distância). Ainda não se sabe se houve um acordo extrajudicial entre a Warner Bros. Discovery e os herdeiros de Crichton para resolver o entrevero mas "The Pitt" já é um sucesso e foi recentemente renovada para uma segunda temporada...


A trama de "The Pitt" acompanha um único dia de plantão de 15 horas num moderno hospital em Pittsburgh (Pensilvânia, EUA), em que um coordenador vai trabalhar num dia em que ele não estava escalado - exatamente no mesmo dia em que, há cinco anos, perdeu seu mentor por conta do Covid-19 - e precisa lidar com diversos problemas e ainda ensinar toda uma turma de novatos no processo...

Apesar da ideia ser a de qualquer série médica já exibida desde os tempos de "Dr. Kildare" - profissionais da saúde atuando em hospital com problemas de infraestrutura e tendo de salvar pacientes em pouco tempo -, em "The Pitt" há atualização do ritmo frenético de "Plantão Médico" com contagem regressiva de "24 Horas" (uma vez que cada episódio equivale a uma hora daquele plantão - e cada acontecimento tem alguma relação, maior ou menor, no impacto que causa entre pacientes, agentes da enfermaria, atendentes e médicos em geral). Só por isso já cria um muito bem-vindo diferencial nos produtos audiovisuais do gênero. 


Não bastasse o formato diferenciado, há ainda o roteiro muito bem amarrado - mérito de Valerie Chu, Elyssa Gershman, Joe Sachs, Simran Baidwan e Cynthia Adarkwa, além dos próprios GemmillWyle. Os personagens e situações apresentadas naquele plantão infernal em que TUDO acontece ao mesmo tempo - e com pouco tempo para resolver - cativam o suficiente para que a audiência torça, se emocione, chore e suspire de forma aliviada. Ainda que a base do roteiro se apoie firmemente na narrativa novelesca, evita cair na óbvia armadilha de criar um plot twist a cada fim de episódio - claro que ocorre mas, geralmente, algumas cenas finais servem mais como reflexão do que tentar criar expectativa para o que vem em seguida (e, por isso mesmo, acaba instigando a audiência a continuar acompanhando essa jornada).

O roteiro é recheado de cenas marcantes como um jovem médico perdendo um paciente pela primeira vez - e tendo de lidar com o trauma enquanto atende outros pacientes (e ainda é apelidado de "caipira" por uma irritante colega, por conta de sua origem rural) - ou a jovem médica que, aparentemente, faz parte do círculo de pessoas do espectro autista e, por conta disso, tem bastante paciência com pacientes que apresentam comportamento "diferenciado" ou, também, o drama do médico residente que pode ou não ter se viciado em opioides para suportar a dor (uma versão mais realista do drama apresentado em "[H]ouse") ou, ainda, a suspeita de que um acompanhante de paciente possa estar engendrando um ataque armado contra jovens mulheres adolescentes na escola em que estuda ou, pior, quando um evento (que pode ou não estar relacionado) causa diversas vítimas em risco de vida e o hospital precisa agir em regime de atendimento de guerra ou atentado... E não podemos esquecer o que acontece quando um paciente não quer esperar pelo demorado atendimento e resolve tomar providências de forma totalmente covarde.


Lembrando que o hospital da trama é o principal centro de atendimento médico local - que já sofre com poucos leitos e ameaça de privatização - e todos os casos graves são diretamente encaminhados para lá. O dilema dos profissionais da saúde - principalmente do Dr. Michael Robinavitch (Wyle), encarregado de um plantão em que ele nem deveria estar presente - é garantir o atendimento à população, ainda que não haja uma quantidade suficiente de médicos para dar conta da volumetria de casos (por causa do problema de orçamento apertado pelo qual a instituição passa). O ápice da série se dá, de fato, durante os episódios 12, 13 e 14 - este último encerra com uma esperada reviravolta mas que pode surpreender uma audiência mais desatenta.

E o que dizer do último episódio? Um misto de sensação de dever cumprido pela entrega de um excelente trabalho com um breve lamento pela escolha de uma profissão tão nobre mas igualmente desgastante ao mesmo tempo, por parte da maioria dos personagens - cada um com seus próprios problemas, como a audiência percebe ao final...

Ainda que Noah Wyle tenha o centro das atenções quando o assunto é "protagonismo" - e quando tem seu momento de stress perto da reta final da temporada (em que relembra cada paciente que perdeu durante o plantão), é de partir o coração -, TODO o elenco está muito afiado. Além de cada personagem ser muito bem elaborado, até mesmo aqueles mais detestáveis  - como a execrável jovem Dra. Trinity Santos (Isa Briones, de "Goosebumps" e "Star Trek - Picard") - se destacam justamente por entregarem performances acima da média para um rol de atores e atrizes que têm, a cada episódio, um momento para brilhar.

E o melhor de tudo: apesar do elenco ser etnicamente diverso, não existe espaço em suas performances para uma desnecessária militância - nem mesmo em momentos em que o roteiro até sinaliza algo próximo disso (como a cena em que existe um debate - que chega às vias de fato - sobre uso de máscaras protetivas por médicos).


Mesmo que todo elenco esteja muito bem dirigido, alguns nomes precisam ser destacados como Tracy Ifeachor (do filme "Wonka" e da série animada "Crepúsculo dos Deuses") - que interpreta a Dra. Heather Collins. Sua personagem, aparentemente, teve algum tipo de relacionamento passado com o Dr. Robinavitch (não, o roteiro não explica, só dá a entender!) e está passando por um período difícil e, durante um momento de tensão, acaba sofrendo um dos maiores temores para muitas mulheres. A cena em que descobre o que está acontecendo e precisa agir friamente para não despertar a atenção da equipe, é doído, triste e muito próximo da realidade. 

TUDO na série é muito crível, desde todo o palavrório medicinal até as atitudes dos personagens. E, com isso, pode-se dizer que, além de um roteiro muito bem escrito, a direção dos episódios comandada por nomes como Damian Marcano, Amanda Marsalis, John Cameron, Quyen Tran, John WellsSilver Tree é precisa e objetiva, equilibrando bem cenas dramáticas, a urgência necessária à tramas do gênero e até um certo bom humor em alguns (poucos) momentos de alívio cômico.

Vale destacar também a excelente direção de fotografia comandada por Johanna Coelho (da série "The Rookie") - aliada à competente edição de Joey Reinisch, Mark Strand, Lauren Pendergrass e Annie Eifrig. O fato de ter apenas UMA diretora de fotografia traz total coesão entre as cenas, criando até mesmo um interessante "balé" de acontecimentos, em que o espectador pode perceber o caso principal em primeiro plano mas o caso anterior em segundo plano, revelando algum detalhe menor mas que fará alguma diferença num episódio futuro... 


Ainda sobre os aspectos técnicos, apenas um detalhe bizarro poderia ser apresentado de uma forma mais sutil - a cena em que uma paciente está com problema durante o processo de parto -, pois a filmagem é feita bem próxima do que seria a genitália da personagem e, claramente, nota-se que se trata de um aparato para simular o evento.

Da mesma forma, o bebê recém-nascido é, notoriamente, um "prop" (elemento cênico utilizado para simular algo real - no caso, um boneco que lembra vagamente um bebê humano). A solução passaria por esconder - ou não mostrar diretamente - os passos da cirurgia e das manobras aplicadas, dando apenas a entender, para que o público pudesse captar a mensagem (uma vez que, como em cada série médica que se preze, os personagens diziam exatamente cada passo do procedimento).

O mesmo vale para um dos pacientes que dá entrada por ingestão ou exposição a algum componente químico desconhecido e aparenta estar com a pele de coloração azulada (beeeeeeeeeeeem azulada, mas não num nível "médico" e sim algo que mais parece saído de alguma trama "fantástica" e nada crível)...


"The Pitt", no final das contas, é aquele prato de arroz com feijão bem temperado mas traz algum frescor a um gênero repleto de clichês, apostando numa abordagem mais próxima do realismo e endossando os sacrifícios desse verdadeiro panteão heroico diante de dificuldades mil, mas apresentando-os como humanos, com idiossincrasias e predicados. É desaconselhável e contraindicado 'maratonar' pois o conteúdo da série pode ser considerado altamente viciante e causar dependência. Consuma com moderação. 




Kal J. Moon assistiu, se emocionou e gritou "NÃO É LÚPUS!".


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