Debate político. Violência extrema. Corporativismo. Era Reagan. O monstro de Frankenstein. Embora algumas dessas colocações possam ser utilizadas para tentar resumir o que era o filme dirigido por Paul Verhoeven no fim dos anos 1980, os tempos são outros e muita coisa não é mais novidade.
RoboCop agora tem uma moto super veloz
(como Black Kamen Rider)
Estamos em plena era da informação e Hollywood carece de idéias originais, lucrativas o suficiente para render franquias cinematográficas. Se tiver um cineasta estrangeiro que possa traduzir tudo num produto rentável - e como se fosse novo -, que seja!

E é nesse cenário de guerra que recebemos o reboot de RoboCop, dirigido pelo brasileiro José Padilha.

Receita de bolo com ingredientes diferentes

Como pegar um sucesso de público e crítica, consagrado pela mídia e adaptá-lo às audiências de hoje? Simples. Use as fórmulas que a indústria cinematográfica replica de quando em vez. Mas faça de forma criativa e mude alguns ingredientes. Se no filme original tínhamos um delegado negro, mantenha o estereótipo mas coloque uma mulher negra em posição alta na hierarquia - e que possa servir de ponto de virada na trama para que não pareça que ela está lá apenas para preencher uma cota.

Se antes nosso herói tinha uma colega de trabalho, mude para um homem negro mas mantenha o sobrenome para criar algum tipo de ligação com a franquia anterior. Se havia uma grande corporação controlando a polícia e a cidade, mantenha isso mas acrescente um CEO que lembre executivos bem sucedidos da atualidade - como Steve Jobs - e utilize alguma citação para dar um ar "cult".
Dr. Norton (Gary Oldman) é o idealismo
contra o progresso de Sellars (Michael Keaton)
Mas a receita pode desandar se o país retratado na trama for achincalhado a ponto de parecer ofensivo - ainda que isso esteja correto do ponto de vista político. Afinal, ninguém quer ver personagens fictícios dizerem que o país em que você vive usa uma política armamentista ostensiva em relação a outros países, chegando mesmo a matar um adolescente por estar portando uma simples faca de cozinha - mesmo que este fato seja completamente baseado na realidade.

Ir ao cinema e ficar tentando comparar o que o filme original e o reboot tem de melhor é a mais pura perda de tempo. Ambos tem qualidades e defeitos, podendo ser devidamente apreciados pelo público sem maiores complicações.

Caso resolva se utilizar deste artificio, faça com estilo e muita ironia para que pareça uma divertida zombaria e não um incômodo... Senão, poderá perder espectadores valiosos na estréia e depender exclusivamente da bilheteria externa está completamente fora de questão na terra dos blockbusters. Ainda mais se o filme em questão não tiver opção em 3D...

O fantasma do Natal passado

Ir ao cinema e ficar tentando comparar o que o filme original e o reboot tem de melhor é a mais pura perda de tempo. Ambos tem qualidades e defeitos, podendo ser devidamente apreciados pelo público sem maiores complicações.

Mas o que realmente chama a atenção - negativamente falando - neste reboot é a completa ausência de "vilões" - no sentido mais amplo da palavra.
Pat Novak (Samuel L. Jackson)
põe o dedo na ferida 
Enquanto que nos anos 1980 era um pouco mais fácil apontar um assaltante de bancos que faz um acordo com a corporação e isso foge do controle, aqui temos um caso corriqueiro de um chefe do crime organizado que já está sendo investigado pelo detetive Alex James Murphy (interpretado pelo inexpressivo Joel Kinnaman, de filmes como Protegendo o Inimigo) e seu parceiro, o dispensável Sargento Lewis (Michael K. Williams, que também está nos cinemas com 12 anos de Escravidão) que, talvez, esteja recebendo ordens de dentro da polícia para executar e desbaratar investigadores e afins... E temos também o inescrupuloso empresário Raymond Sellars (interpretado por Michael Keaton tendo Steve Jobs em mente) que não é exatamente um vilão mas sim alguémque pode conseguir ganhar muito dinheiro se a lei que proíbe ação de robôs em solo americano for derrubada.

Temos ainda o Dr. Dennett Norton (o sempre competente - e camaleônico - Gary Oldman), que representa o idealismo que tem de se curvar ante o progresso. Embora sua missão já esteja fadada a falhar desde o início, ele tenta contornar várias situações, lembrando um pouco o que aconteceu com o monstro criado por Mary Shelley...

O futuro é agora - e é todo nosso!

É tudo meio cinza - como na vida real, devo admitir. Mas falta algo que conecte o espectador para que este compre a ideia e embarque. Chegamos a um ponto em que não precisamos colocar uma legenda no início do filme dizendo que se passa em um futuro próximo... Até porque tudo o que acontece está bem próximo do possível.

Tenho de dizer que Padilha e sua equipe estão com um filme recheado de ótimas sacadas, muitas referências  ao filme original - e até uma surpresa em relação a isso quando chegamos ao final da exibição - e atuações convincentes de personagens interessantes como o apresentador de TV Pat Novacs (interpretado pelo grande Samuel L. Jackson, de Django Livre) ou o treinador de robôs Maddox (Jackie Earle Haley, de Watchmen). Mas faltou coesão ao roteiro do estreante Joshua Zetumer - que chegou a escrever um roteiro para o quarto filme da saga Bourne mas não foi utilizado -, que apresenta muitas situações interessantes mas deixa algumas em aberto...

Se esta versão agradará a esse novo público, só o tempo dirá. Mas o filme funciona e cumpre seu papel de entretenimento.


Cotação: Bom

Kal J. Moon também chamava o golpe do personagem Sagat (do game Street Fighter) de "Tiger RoboCop"!



Sinopse: Em Robocop, o ano é 2028 e o conglomerado multinacional OmniCorp está no centro da tecnologia robótica. No exterior, seus drones têm sido usados ​​para fins militares há anos, mas na América, seu uso foi proibido para a aplicação da lei. Agora a OmniCorp quer trazer sua controversa tecnologia para casa, e buscam uma oportunidade de ouro para fazer isso. Quando Alex Murphy (Joel Kinnaman) - um marido e pai amoroso, e um bom policial que faz seu melhor para conter a onda de crime e corrupção em Detroit - é gravemente ferido no cumprimento do dever, a OmniCorp vê sua chance para criar um oficial de polícia parte homem, parte robô. A OmniCorp prevê a implantação de um Robocop em cada cidade para assim gerar ainda mais bilhões para seus acionistas, mas eles não contavam com um fator: ainda há um homem dentro da máquina.

RoboCop (2014)

Direção: José Padilha
Roteiro: Joshua Zetumer (com base no original de Edward Neumeier
& Michael Miner)
Elenco: Joel Kinnaman, Gary Oldman, Michael Keaton, Samuel L. Jackson, Jackie Earle Haley, Jay Baruchel, Abbie Cornish e grande elenco
Distribuição: MGM / Sony Pictures do Brasil
Site Oficial | OmniCorp