Imagine que estamos nos anos 1920. Imagine que a sociedade esteja construída, porém fragilmente alicerçada sobre uma rígida conduta moral, incapaz de compreender - e muito menos sequer cogitar a aceitar - aquilo que é, por natureza, diferente. Agora, imagine que, pouco mais de um século depois, muito pouco (ou quase nada) tenha mudado desde então. São estes os questionamentos levantados pelo diretor Tom Hooper - de "O Discurso do Rei" e "Os Miseráveis" - em seu novo filme, "A Garota Dinamarquesa", estrelado por Eddie Redmayne e Alicia Vikander.

Mas se o filme responderá tais questionamentos, bem, isso já é outra história...

Leveza, mentiras e meias de seda


Até onde querer pode ser realmente poder? Qual é o real limite entre o físico e o psíquico? Vale mesmo qualquer coisa para tentar ser feliz? O que é ser mulher, afinal? É possível construir, artificialmente, essa ~"condição"?

A roteirista Lucinda Coxon toca em temas delicados ao investigar a vida de Einer Wegener (Redmayne, ganhador do Oscar de Melhor Ator por "A Teoria de Tudo" e concorrendo novamente em 2016 pela personagem desta película), jovem pintor em ascensão cuja vida é transformada no momento em que serve de modelo à sua esposa (Vikander, do insosso "Ex-Machina", concorrendo ao Oscar de Melhor Atriz em 2016 por este papel). A partir de uma série de fatores, ele transforma-se, aos poucos, em "Lili Elbe", o que, com o tempo, resulta em diversos - e reais - problemas de ordem pessoal, conjugal, física e psicológica.

A trama, passada em 1926, toma como guia o livro escrito por David Ebershoff (que, por sua vez, toma por base o diário de Lili - tida como a primeira transsexual do mundo), buscando um olhar lírico e poético, mesmo em situações onde a realidade é cruel e sombria.

É como se a busca pela felicidade valesse qualquer esforço como perda de dinheiro e prestígio, segregação, humilhações mil ou mesmo, em último caso, algo bem próximo da  mutilação. E se apenas a sugestão do tema gera polêmica entre nós, seres do novíssimo século, imaginem como reagiram aqueles hipócritas senhores de 300 anos no passado.


Infelizmente, talvez pela força desta delicada história, talvez pelo tipo de abordagem do tema, "A Garota Dinamarquesa" falha justamente ao tratar sua protagonista como quase uma mocinha de folhetim, sem grande interesse dramático ou algo que a torne crível, sem deixar margens aos espectadores para conflitos ou dúvidas acerca de suas decisões. Será que foi correto o que ela fez? Realmente, não existem limites a serem respeitados? Nada se explica de forma convincente no roteiro.

E este mesmo roteiro atrapalhou as performances do casal principal, perdidos com a falta de motivação palpável de seus papéis, restando apenas seguir seus instintos - o que nem sempre é a melhor solução.

Nem mesmo a esmerada direção de fotografia de Danny Cohen ("O Discurso do Rei"), o luxuoso figurino desenvolvido por Paco Delgado ("Os Miseráveis"), a bela recriação de época construída pela cenografia de  Kristy Parham ("Os Miseráveis") e Michael Standish ("Capitão América - O Primeiro Vingador") e a adequada trilha sonora criada por Alexandre Desplat (ganhador do Oscar de Melhor Trilha Sonora pelo maravilhoso "O Grande Hotel Budapeste") conseguem conferir verossimilhança com a vida real. Apenas criam um vultoso invólucro a uma peça medíocre.

A verdade é que nunca saberemos a ~"verdade" sobre este caso. Claro que é uma história que merece ser contada. Mas manipulação é mais fácil de executar do que documentar os fatos.



Kal J. Moon defende o direito à sensibilidade, à felicidade mas também ao juízo...