Dirigido por Michael Showalter, estrelado por Jessica Chastain e Andrew Garfield, "Os Olhos de Tammy Faye" (indicado a dois Oscars, incluindo Melhor Atriz para Chastain) mostra que desvendar os bastidores do tele-evangelismo voltou à discussão. Mas evidenciar que esses "profissionais da fé" também são seres humanos com desejos comuns talvez não seja tão bem aceito para quem não conhece as práticas dessa religião...


Mulher de fases
Eu tenho de confessar: sou fã de Jessica Chastain e nunca entendi o motivo da atriz nunca ter ganho o Oscar. OK, ela foi indicada três vezes à maior premiação do cinema, sempre por filmes "errados" como "Histórias Cruzadas" (coadjuvante) e "A Hora Mais Escura" (atriz principal) e, agora, com "Os Olhos de Tammy Faye" (também atriz principal). Mas cadê as indicações por seus papeis nos excepcionais "Armas na Mesa" ou "A Grande Jogada", onde a atriz dá um verdadeiro "banho de interpretação" em quaisquer das candidatas daqueles anos?

Mesmo sendo completamente esnobada na maioria das premiações do cinema, a atriz californiana continua sua entrega a papeis que realmente acredita trazer uma história relevante às protagonistas femininas da sétima arte. Uma hora o reconhecimento vem - e talvez esteja mais perto, uma vez que acabou de ganhar o prêmio SAG 2022 de Melhor Atriz por sua atuação em "Os Olhos de Tammy Faye", um filme polêmico e que toca num assunto delicado e plural ao mesmo tempo.

Na trama vemos a descoberta espiritual de Tammy Faye (Chastain) e sua ascensão como estudante da Bíblia, o apressado casamento com Jim Bakker (Garfield), o ministério do casal como evangelistas em campo até a chegada das transmissões em programas de TV e a posse de sua própria rede televisiva, que abalou tanto seu casamento quanto a opinião pública - e da cúpula religiosa da época - ao abordar assuntos polêmicos em um programa que, a princípio, deveria ser "apenas" de cunho meramente religioso.


Ainda que boa parte do roteiro escrito por Abe Sylvia - livremente baseado no documentário homônimo de Fenton BaileyRandy Barbato - tenha "amenizado" boa parte das acusações contra o casal tele-evangelista jogando muito da culpa pela corrupção da rede de TV PTL em cima de Jim Bakker, esse não é o principal problema do filme mas, sim, como foi escolhido os "recortes" dessa trajetória rumo ao escândalo. Parte do problema é justamente não entender como e o que era feito acerca da manipulação do dinheiro arrecadado pela organização religiosa que divulgava construir casas para pessoas pobres (principalmente mães solteiras) mas que estava com uma dívida milionária com empreiteiras dos Estados Unidos pois o dinheiro arrecadado ia para "outro lugar" - mas o filme não responde que "lugar" era esse. Mesmo que os protagonistas tivessem mansão de luxo, uma rede de televisão com transmissão de seus cultos e programa de entrevistas via satélite para o mundo inteiro - apesar de aparecer o Brasil na lista de países, seus programas eram exibidos por aqui apenas em trechos de programação de outros tele-evangelistas brasileiros da época -, a pergunta que fica em determinado ponto da narrativa é "para onde ia esse rio de dinheiro?!".

Mas a proposta desse filme provavelmente não era responder nenhuma dessas perguntas mas sim examinar aos poucos o "mega fenômeno" Tammy Faye, tele-evangelista, cantora, apresentadora de TV - sim, é bom separar pois ela tinha um programa bem diverso, começando a dialogar com crianças no início da carreira e depois amadurecendo seu leque de talentos e entrevistando pessoas tão diversas desde um homem homossexual portador da síndrome da Aids (algo bem polêmico numa época de incertezas quanto à doença) até um vendedor de prótese peniana contra impotência masculina - mas que não sabia das escapadelas sexuais do marido e nem que ele, talvez, quem sabe, fosse homossexual reprimido por conta da religião e sua posição perante à comunidade que pertenciam (o roteiro "deixa no ar" essa hipótese e essa é uma das muitas perguntas sem respostas da trama).

E também vemos como era ser uma mulher com um poderio midiático num meio predominantemente masculino - tanto o da comunidade cristã quanto o da televisão - e como "irrita" ser do "sexo errado" quando se tem tanto poder à sua volta. Vemos a irritação - e depois aceitação - de sua própria mãe, do ministro que lhes deu a primeira chance em frente às câmeras e de boa parte da imprensa, mesmo antes da denúncia e dos escândalos. Um verdadeiro tratado sobre marketing, empresarial e pessoal.


Ainda sobre o roteiro, vemos diversos momentos "what the f***" como Tammy Faye se envolvendo sexualmente com um engenheiro de som (enquanto estava na parte final de sua gestação) e, ainda, confessando sua infidelidade perante as câmeras, gerando comoção do público (que resultou em mais doações em dinheiro de quem estava assistindo ao vivo pela TV), dentre outras ainda mais escabrosas.

Sobre o elenco, o destaque vai mesmo para Chastain. Ainda que eu seja bem suspeito para dizer, a atriz consegue viver uma jovem, uma mulher madura e a decadente Tammy Faye em mais de três atos (são muitas fases) com cenas que vão de verdadeira simpatia, ao asco e à total empatia, levando o espectador a se perguntar se essa mulher simplesmente não se tornou fruto do meio pernicioso que ela própria ajudou a criar. O mais interessante é que Chastain não é nem um pouco parecida com a Tammy Faye da vida real - a "original" era um tanto mais baixa, bem mais corpulenta, seu rosto era mais largo - mas a atriz passa uma veracidade que somente grandes baluartes das artes cênicas alcançam. Até mesmo a voz fina ao extremo - que tem uma explicação na trama relacionada a quadrinhos e animação - e sua risada característica a atriz emprega com esmero que dá gosto de ver.

O ápice da atriz é justamente no fim da película, quando, já devastada e muitos anos após os escândalos financeiros, é chamada para se apresentar a um público numa igreja para cantar (se sim, a própria atriz gravou as canções que foram sucesso na voz da tele-evangelista). Sabem quando algum cristão defende que "devemos prestar o culto racional"? Essa cena mostra que o culto, na mente de Faye, era completamente irracional, a ponto de imaginar um coral inexistente - da mesma forma que falava com o capeta através de uma meia na mão quando criança - e vestes resplandescentes. Mas, peraí... Imaginação ou fé? Decida você quando assistir.


O restante do elenco está operante mas nada que possua real interesse. Nem mesmo Andrew Garfield, que parece um tanto caricato, quase uma imitação barata de Jim Bakker (ainda que, visualmente, ele seja um pouco mais parecido que Chastain mas tanto a maquiagem quanto seus trejeitos parecem deveras exagerados). Até mesmo Vincent D'Onofrio, que interpreta o reverendo Jerry Falwell - que dá a oportunidade ao casal em seu canal de TV - tem falas que possam ativar seu talento dramático e parece até um tanto robótico em algumas cenas.

"Os Olhos de Tammy Faye" não é um filme perfeito, tem um senso de humor que muitas das vezes não funciona plenamente e vai conversar mais com cristãos convictos do que com pessoas que não professam qualquer religião judaico-cristã. Mas é um manifesto acerca de um monte de problemas advindo dessas organizações religiosas, como a não-taxação de impostos para funcionamento dos suntuosos templos ou relaxamento de exigências para aquisição de redes de televisão. Assista pela esplêndida atuação de Jessica Chastain - que pode te levar aos prantos ao fim da exibição -  e pela reflexão que se propõe, ainda que incompleta.




Kal J. Moon assistiu, se espantou, se enojou e se emocionou. Como é bom ver Jessica Chastain atuando, né?

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