Escrito e dirigido por Ryan Coogler, estrelado por Letitia Wright, Angela Bassett, Danai Gurira, Lupita Nyong’o, Tenoch Huerta, Dominique Thorne e grande elenco, "Pantera Negra - Wakanda Para Sempre" é um filme que enfrenta a difícil tarefa de repetir o feito de entregar algo diferente do que já foi feito no Universo Cinematográfico Marvel. Será que consegue?


Como o futuro lhe parece?
"'Pantera Negra - Wakanda Para Sempre' não pode ser visto por brancos?", dizia o título de um vídeo que, óbvio, não cliquei para assistir porque não caio em clickbait e nem bato palma para ver maluco sambar errado. Até porque ver um samba mal dançado, de qualquer maneira, sem malemolência nem alegria no sorriso e no olhar, é uma das maiores frustrações da vida adulta.

Deixando as alegorias de lado, quando "Pantera Negra" teve seu primeiro trailer divulgado, houve muita reclamação "na internet" de que o filme tinha "negros demais" - malucos sambando mal existem em qualquer época. Apesar da acusação óbvia de racismo, acabou sendo o primeiro filme de grande orçamento com elenco majoritariamente negro a ultrapassar a barreira de 1 bilhão de dólares globalmente - um feito que não poderia ser ignorado de forma alguma. Afinal, o mundo já está de olho no chamado "black money" há algum tempo e não seria a Marvel Studios que deixaria de coletar seu quinhão gerando um produto próprio voltado a uma fatia considerável (e expressiva) do público, não é mesmo? Tudo graças a um ator que abraçou a personagem como se a vida dependesse disso, um roteiro legitimamente antenado com os novos tempos e, como disse a crítica desse que vos escreve, gerando "o mais necessário filme de super-heróis de todos os tempos". E, mais de quatro anos depois, voltamos lá, e de volta, outra vez, ao reino de Wakanda para vivenciar novas aventuras, mas com algumas reflexões a se considerar.

Na trama, a rainha Ramonda (Angela Bassett), Shuri (Letitia Wright), M'Baku (Winston Duke), Okoye (Danai Gurira) e o exército das Dora Milaje lutam para proteger sua nação das potências mundiais que intervêm após a morte do rei T’Challa (Chadwick Boseman). Porém, um incidente coloca o povo de Wakanda na direção oposta do belicoso rei K'uk'ulkan, mais conhecido como... Namor (Tenoch Huerta).

O roteiro novamente escrito pela dupla Ryan CooglerJoe Robert Cole, ainda prima pelo tom de tragédias épicas, com ares quase shakespearianos, como no primeiro filme, mas abrindo a experiência ainda mais para os tempos mais atuais. Até porque, se o mundo passou dois anos de luto por conta da pandemia, pela perda de parentes, amigos e entes queridos, como trazer essa "vibe" para o universo da Casa das Ideias no cinema sem excesso de piadinhas e gracejos mil, mas levando muito a sério esse peso? A resposta veio justamente de a vida imitar a arte e, assim como o ator Chadwick Boseman faleceu em 2020, o rei T’Challa também não sobrevive aos primeiros minutos do novo filme.


E, diferente do que se tem falado por aí, a abordagem desse tópico não deixou o filme "arrastado" pois temos um bom equilíbrio entre cenas de ação necessárias à trama e dramaticidade, assim como feito anteriormente. Os espectadores marvetes que começaram a assistir filmes de super-heróis em 2008 tem que entender que os tempos mudaram quase 15 anos depois, junto com as pessoas - e a "fórmula Marvel" já não é tão bem-vinda assim nem mesmo por quem veste a camiseta vermelha e branca do estúdio pertencente ao rato mais poderoso do mundo. Vale ressaltar que é bem estranho ver grande parte da crítica brasileira desdenhando de um filme com temas tão sérios - como o já mencionado processo do luto, separatismo, colonialismo, ditadura e o aprendizado pós luto que se mescla perfeitamente à manjada jornada do herói, porém sobre um novo ponto de vista - de forma tão jocosa e deprimente (o que faz valer ainda mais o rumor de que, antes da Fase 4, havia-se abono pecuniário para celebrar determinados produtos medíocres do MCU a fim de não afetar o resultado nas bilheterias - ou é só a "boa" e velha gente burra, com muitos seguidores, escrevendo idiotice pra variar...).

Quanto ao elenco, temos de destacar Angela Bassett que rouba completamente a cena por seu desempenho como a rainha Ramonda. O perfeito equilíbrio entre o desalento e a determinação para não deixar sua nação perecer, com falas ditas com um misto de delicadeza e alerta, é digno das melhores cenas em filmes do gênero. Talvez seja o papel mais marcante da atriz desde quando interpretou a cantora Tina Turner em 1993 - e, caramba, ela teria sido uma excelente Ororo Munroe / Tempestade (X-Men) em outros tempos, hein...

Já o mesmo não pode ser dito do restante do elenco. A começar por Letitia Wright, que está apenas operante no cargo de "protagonista" da trama, uma vez que as decisões de sua personagem movimentam a história adiante. E, se no primeiro filme, servia mais como um alívio cômico, aqui serve de principal ponto de vista da situação, junto com Bassett. Mas não muito bem...


E o Namor de Tenoch Huerta é beeeeeeeeeem diferente dos quadrinhos - nem melhor muito menos pior. Sabe quando deixaram Hellboy mais "carismático" no primeiro filme do personagem? Não chega a tanto mas deram uma humanizada em Namor aqui. Porém, em momentos de batalha, a empáfia e arrogância está lá, com direito a "Imperius Rex" e tudo - o que pode ser decepcionante para algumas pessoas. Os outros nomes do elenco - Danai Gurira, Lupita Nyong’o, Dominique Thorne, Martin Freeman, Winston Duke, Florence Kasumba, dentre outros - tem suas funções na trama mas nada que chame realmente a atenção dramaticamente falando. Thorne, inclusive tem seu momento como Riri Williams / Coração de Ferro mas só teremos um pleno desenvolvimento em sua vindoura série.

O figurino novamente criado por Ruth E. Carter (ganhadora do Oscar justamente por seu trabalho em "Pantera Negra" em 2019) entrega agora novas miríades de inspirações ameríndias, maias e astecas para Namor e seu povo - ainda que leve à questão do motivo de seres marítimos utilizarem penas em seus trajes de batalha e qual a funcionalidade disso. Porém não mostra nada muito novo para o povo de Wakanda.


A trilha sonora composta por Ludwig Göransson (também ganhador do Oscar por seu trabalho no primeiro "Pantera Negra") entrega uma nova e estimulante experiência sonora, com temas evocativos que misturam sonoridades latino-americanas e afro-americanas - porém aliados à modernidade de sons vibrantes d bem próprios de filmes de super-heróis - com uma unidade que é bonito de se ouvir. É, de longe, a trilha mais "diferentona" - que não dá para não lembrar do que foi feito por James Newton Howard na animação Disney "Atlantis - O Reino Perdido" - de um produto audiovisual Marvel, daquelas que se ouve durante a execução de um trabalho burocrático para tornar a tarefa um pouco mais aprazível.

Porém, a direção de fotografia de Autumn Durald Arkapaw (do seriado Marvel "Loki") ora funciona bem com panorâmicas evocativas mas peca em ambientes submarinos com cenas onde praticamente não se vê muita coisa e em cenas de batalha um tanto confusas com muito uso de CGI - que, claro, são melhores do que os efeitos especiais do primeiro filme mas não muito. 

(ALERTA DE SPOILERos próximos parágrafos estão repletos de spoilers e, caso não deseje estragar sua experiência, pule para os parágrafos finais dessa crítica - ou assista antes o filme em seu cinema favorito. Mas se já tiver assistido o filme ou não se importar com isso, basta selecionar o espaço em branco com o mouse para descobrir o que está escrito, por sua conta e risco)

Então, como muito temido, Shuri é a nova Pantera Negra. O temor vinha por conta da atriz Letitia Wright ter sido vítima de seus próprios comentários em seus perfis de redes sociais duvidando da funcionalidade da vacina contra o flagelo da Covid-19 - e boatos correm de que ela estaria tentando convencer membros do elenco a não se vacinar por não saber a procedência de uma vacina produzida "tão rápido". E, para piorar sua situação, depois do seu "cancelamento! na internet, ainda se acidentou durante as filmagens - atrasando ainda mais, uma vez que o filme foi realizado durante a pandemia, seguindo os protocolos de segurança -, levando mais tempo para se recuperar do que o previsto, alertando ainda mais para a possibilidade de que ela não tenha se vacinado contra o Covid.

Mas, independente disso, avaliando seu trabalho no filme, ainda que o roteiro espertamente coloque sua personagem tentando ao máximo não protagonizar nem tomar a frente da situação - mas tendo de fazê-lo, como qualquer pessoa que já passou pela perda de entes queridos -, a atriz não entrega um trabalho carismático à altura do que o saudoso Boseman fez anteriormente (mas, sinceramente, quem entregaria?). E a culpa não é da direção muito menos do roteiro, pois temos tanto momentos de ação como de dramaticidade que dava para desenvolver algo melhor em termos de performance.

(talvez a única cena real de destaque de Wright no filme seja justamente quando ela divide tela com ninguém menos que... Michael B. Jordan retornando como o espírito de Killmonger, numa excelente virada de roteiro e trazendo um verdadeiro embate de ideias e conclusões)



Ainda no campo da atuação, Julia Louis-Dreyfus volta como Condessa Valentina Allegra de la Fontaine, que, num futuro próximo, será uma das comandantes do super-grupo Thunderbolts, que ganhará um filme próprio em breve. Mas aqui, age sorrateiramente, interessada na reserva do metal vibranium para sórdidos propósitos. Porém, sua nova aparição serve apenas para fazer conexão com o restante do Universo Cinematográfico Marvel e como promessa de algo futuro - e para revelar que já foi casada com o agora ex-agente Everett Ross (Martin Freeman). Havia quem achasse que ela seria ex-esposa do Agente Coulson (Clark Gregg - entendedores entenderão)...

O Namor de Tenoch Huerta também é uma promessa para o futuro - provavelmente num filme dos X-Men, uma vez que ele se revela um mutante... O roteiro é extremamente didático com a personagem, mostrando não somente sua origem como de seus ancestrais e, consequentemente, de seu povo, até mesmo informando o público do motivo da pele dos outros habitantes ter aquele tom azulado, passando pela origem de seu nome, tanto K'uk'ulkan quanto Namor - e vamos combinar que chamar o inimigo de uma nação africana de um nome que lembra MUITO "Ku Klux Klan" não é a melhor das ideias, certo? Certo! E não, não temos qualquer menção ao Quarteto Fantástico, antes que alguém pergunte...

Além disso tudo, aparentemente a Marvel Studios ouviu parte dos fãs que reclamaram de Letitia Wright ter ganho o "prêmio" de protagonizar o filme - enquanto outros atores e atrizes foram afastados de outras produções Disney pelo mesmo motivo - pois, ao final, aparentemente, há uma passagem do manto do Pantera Negra, assim como do comando do reino de Wakanda, uma vez que a rainha Ramonda MORRE (SÉRIO, POR QUÊ?!) ao tentar salvar Riri Williams durante o ataque de Namor. Ao que parece, caso haja um terceiro filme ou novas aparições do Pantera Negra, talvez a atriz não fará parte - ou, pelo menos, não será a protagonista.

Por fim, numa cena durante os créditos - logo depois de se ouvir "Lift Me Up", canção de Rihanna, que saiu do hiato de gravações especialmente para participar da trilha sonora do filme -, descobrimos que Nakia (Lupita Nyong'o) havia deixado Wakanda por conta de estar grávida de T'Challa - e, durante uma bela cena de cerimônia de pós-luto wakandano, somos apresentados ao filho dele, de aproximadamente sete anos de idade, mostrando que esse filme é um grande interlúdio para o que está por vir nos filmes baseados nos quadrinhos da Casa das Ideias.


(FIM DO ALERTA DE SPOILER)


Nos anos 1980, era comum ouvir previsões geopolíticas como "o futuro é negro", de uma forma bem pessimista. Em pleno século 21, no meio de toda uma turbulência política e elitista, um filme como "Pantera Negra - Wakanda Para Sempre" tenta colocar na cabeça da plateia mais jovem que o futuro não é negro, nem azul muito menos branco. Mas só está garantido se for multicolorido - e, ainda, por todos e para todos. Nenhuma cultura pode sobrepujar outra, não importa a crença ou costume. E contra intolerantes não pode haver tolerância mas há a necessidade de se mostrar que é importante deixar bem claro que o direito do próximo termina onde começa o de cada um - e vice-versa. Na verdade, se paramos para pensar, o futuro é nosso. É tudo nosso.

"Pantera Negra - Wakanda Para Sempre" não é melhor do que o primeiro - dificilmente seria - mas estabelece Wakanda como um bom lugar para se visitar de vez em quando. Afinal, ser diferente não é nem um pouco ruim. Apenas temos de nos acostumar...




Kal J. Moon tem orelhas que "apontam para o céu",  gosta de usar um bermudão verde quando se banha no mar e quer um seriado ou filme do exército das Dora Milaje em sua mesa até segunda de manhã..
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