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CRÍTICA [CINEMA] | "A Baleia", por Kal J. Moon

Dirigido pelo cultuado Darren Aronofsky, estrelado por Brendan Fraser, Sadie Sink, Hong Chau, Samantha Morton e Ty Simpkins, "A Baleia" concorre a três Oscars em 2023 - incluindo sendo franco-favorito para a categoria de Melhor Ator - e nos mostra a claustrofóbica rotina de quem não consegue fugir de si mesmo por muito tempo.


O (nada sutil) elefante branco
Darren Aronofsky gosta de causar e isso é um fato. Seus filmes são todos provocadores e, alguns, já foram alçados à rara categoria de obra-prima do cinema. Seja com sua estreia com "Pi" (1998) ou "Réquiem para um Sonho" (2000) ou mesmo "Fonte da Vida" (2006), passando pelo bacana "O Lutador" (2008) e pelo superestimado (e copiado de anime) "Cisne Negro" (2010) - e sem contar com o insuportavelmente arrogante "mãe!" (2017) -, nenhum filme assinado pelo diretor deixará o espectador impassível. Muito pelo contrário, aliás. Pode ser alguma polêmica ou detalhe escondido ou mistério descoberto pelo séquito de adoradores do cineasta, sempre terá caroço no angu servido pelo nova-iorquino num cinema perto de você. E com "A Baleia" não poderia ser diferente. Porém, desta vez, de forma positiva.

Na trama, um recluso professor de redação - por conta da morte de seu namorado - vive com obesidade mórbida, estando seriamente doente e tenta se reconectar com sua distante filha adolescente para uma última chance de redenção. Sim, saiba o menos possível ao assistir esse filme para que todas as surpresas lhe alcance de forma abrupta e voraz.

O roteiro escrito por Samuel D. Hunter - baseado em sua própria peça de teatro - praticamente transcreve e meio que "traduz" a atmosfera dos palcos à telona com acuracidade, onde personagens entram e saem a todo instante, causando aquela saudável "irritação" de que algo inesperado acontecerá a qualquer momento. A trama tem alguma atualização em relação ao texto teatral, como substituir a comunidade religiosa dos mórmons pelos protestantes da New Life (cujo líder se revelou usuário de drogas e de diversas práticas que fugiam da doutrina que pregava).


Mas o que é mais pertinente e chama atenção à lavra de Hunter é a crueza de alguns momentos dessa nada sutil história. Sim, temos um texto que levará o espectador a uma inevitável reflexão e, claro, uma lição de moral quase telegrafada, de tão óbvia. Porém, como quem agarra seu público pelo colarinho, dá-lhe dois tapas "para acordar" e grita a plenos pulmões, "A Baleia" tenta trazer a urgência da mensagem que precisa ser dita antes que seja tarde demais: estamos tratando muito mal nossos doentes. Doentes sociais, doentes psicológicos, doentes da alma... Todos, sem exceção, estão sendo mal-tratados e, por conta disso, acabam tratando-se muito mal, a ponto de não terem mais vontade de estar entre nós para não serem tão humilhados quando precisam de ajuda. Essa é a dura verdade que "A Baleia" prega e não queremos ouvir. Quando eles "quebram", não queremos consertar. E quando se vão, dizemos que foi melhor assim...

Charlie - o protagonista vivido por Brendan Fraser - tem obesidade mórbida e prefere estar em sua casa pois magoou diversas pessoas de seu convívio até lhe restar apenas três: sua filha adolescente rebelde (vivida por uma esforçada Sadie Sink), a irmã de seu falecido namorado (interpretada pela carismática Hong Chau) e a igualmente problemática ex-esposa (vivida por Samantha Morton). Em seu convívio caótico, ainda há tempo para evitar o entregador de pizza (interpretado rapidamente por Sathya Sridharan) e aturar a inesperada visita do jovem religioso da New Life (vivido por Ty Simpkins) - igreja frequentada por seu falecido namorado - que quer provar a si próprio que todo seu estudo e esforço não foi em vão.

Essas histéricas conversas e dinâmicas revelam sempre um pouco mais de cada personagem, tornando-os críveis e palpáveis, com todas as suas idiossincrasias e atitudes detestáveis. Em vários momentos, vemos personagens tomando atitudes detestáveis por conta de seus egoísmos e convicções, o que torna a experiência de assistir "A Baleia" algo como ver um acidente fatal de trânsito: é horrível mas, estranhamente, é irresistível.


Brendan Fraser deve mesmo levar o Oscar de Melhor Ator em 2023 (e se isso não acontecer, alguém provavelmente responderá criminalmente por tal façanha). Sua entrega é visceral porém doce e leve em diversos instantes. Sua rotunda forma - feito a baleia Moby Dick citada a todo instante durante a rodagem - só revela um personagem que poderia ser nosso vizinho, que foi tão machucado que preferiu se afastar. O olhar que o ator lança num momento de quase óbito de seu personagem é de partir o coração. Fraser mostra que, ao contrário do protagonista, se afastar só lhe fez bem e está afiadíssimo em seu mister.

Sadie Sink (da série "Stranger Things") está bem no papel de "aborrecente" da vez mas um pouquinho acima do tom em algumas cenas - entende-se seu comportamento por conta do roteiro mas alguns momentos soam um tanto infantis (exceto, talvez, no momento final, em seu discurso - que espectadores mais atentos, podem entender como algo um tanto fantasioso e que provavelmente não está acontecendo naquele local).. Hong Chau (a melhor coisa daquela coisa horrorosa chamada "Pequena Grande Vida") equilibra bem momentos os poucos momentos de humor da trama com o drama pesado numa desenvoltura adequada que a faz merecer a justa indicação de Oscar de Melhor Atriz em 2023 (embora talvez não leve) - o "esporro" que profere ao protagonista, que, de dramático, vira um momento cômico, provavelmente será sua "cena" na cerimônia do careca dourado.. 

Já Ty Simpkins (que você deve se lembrar como o outrora garotinho irritante de "Homem de Ferro 3") talvez seja o único destaque negativo do filme. Ele está correto como o jovem religioso que quer porque quer "converter" o protagonista como uma espécie de redenção para "seus erros" com a igreja e com seus pais - embora sua interpretação o torne um pouco irritante fora da medida, mostrando que o ator está no caminho certo, verdade, mas tem um longo caminho pela frente. E Samantha Morton deveria ter mais espaço como a ex-esposa magoada com o caso do ex-marido que virou uma paixão e não acabou nada bem, nem pra ele, muito menos para o que restou daquela família...

A direção de fotografia comandada por Matthew Libatique (indicado ao Oscar por seu trabalho no já citado "Cisne Negro") aqui é mais comedida, "pequena", quase claustrofóbica, para emular bem o que é viver de forma limitada como o protagonista vive, uma vez que o filme inteiro se passa praticamente em apenas um cenário. A escolha em focar nos closes para capturar a emoção dos atores revela-se eficaz com o desenrolar da trama.


Todo o departamento de maquiagem de "A Baleia" deve, pelo menos, receber honras por fazer a "roupa de obeso" algo crível novamente em Hollywood. O que é feito nesse filme é tão realístico que beira o inacreditável.

E, por fim, Aronofsky entrega seu filme mais... honesto (por falta de palavra melhor). Mesmo que pegue "emprestado" para si alguns momentos de filmes de outros diretores (ou de si próprio) - como a furiosa comilança (exatamente como na cena do patriarca na mesa de jantar em "Sinais") ou os ríspidos diálogos entre pai e filha (como em "O Lutador") ou ainda o olhar clemente e pesaroso do protagonista doente (como em uma dolorosa cena envolvendo uma senhora num asilo em "Sete Vidas")... Ainda assim, Aronofsky se esforça para trazer a emoção à cena, da mais simplória ao magistral momento final (que conseguiu com maestria o que "Birdman" falhou miseravelmente).

Um filme para ver, refletir, chorar copiosamente e perceber do que o ser humano realmente é feito. Nojento? Desprezível? Nada disso. Apenas humano. Demasiado humano. Em uma palavra: assista.

(Se você, que acabou de ler essa crítica, está passando por momentos de depressão, procure ajuda. Entre em contato com o CVV ou procure um profissional médico urgentemente. Eu acredito em você. Pode até demorar, eu sei, mas vai dar tudo certo...)




Kal J. Moon procura viver um dia de cada vez. Tem sido difícil mas ninguém disse que seria fácil...


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