Baseado no best-seller escrito por Carina Rissi, dirigido por Katherine Chediak Putnam, Dean W. Law e Luiza Shelling Tubaldini, estrelado por Giovanna Grigio, Bruno Montaleone, Luciana Paes e grande elenco, o filme "Perdida" é... é... é o quê mesmo, hein?


Traídos pelo desejo

Qualquer proposta que saia do curriqueiro trinômio do atual cinema brasileiro (cinebiografia-comédia-violência policial/"favela situation" - já deu, né?) é sempre bem vinda, ainda mais quando flerta com elementos de ficção científica como viagem no tempo (ou coisa que o valha), algo tão raro em nossa  combalida safra nacional de filmes.

Dito isto, é necessário salientar que nem somente de propostas interessantes, boas ideias ou muita força de vontade fazem um bom exemplar nas telonas. Existe todo um conjunto de fatores que acabam determinando se o filme terá minimamente a qualidade indispensável para figurar entre o que é aceitável pelo público ou se chegará próximo do fiasco total. Com isso em mente, temos o filme "Perdida"...


Na trama, Sofia (Grigio) é uma garota "modernex", progressista, "independentch" e que não acredita no amor - mas é ferrenha defensora da literatura da clássica escritora Jane Austen (pois é, o combo completo...) - tanto que quer lançar uma reedição de luxo de "Orgulho e Preconceito", cheia de extras, mas é recebida com desdém e desconfiança por um colegas de trabalho e por seu chefe. Após utilizar o celular de uma misteriosa motorista de táxi, é misteriosamente transportada para um mundo diferente (viagem no tempo? dimensão paralela?), que é "muito parecido" ao universo descrito por Austen em seus livros. Sem ter ideia de como voltar para casa, acaba acolhida pela família Clarke e, com a ajuda do prestativo galã traumatizado pelo passado Ian Clarke (Monteleone), busca, de alguma forma, voltar às dores e delícias da vida moderna - mas ela não esperava que... Bem, contar mais seria spoiler, certo?

(curiosidade: a ilustração de capa da edição encadernada do livro que a protagonista quer editar é de autoria do desenhista e roteirista de quadrinhos Vitor Cafaggi)

Pela sinopse acima, vem à mente as inúmeras adaptações cinematográficas de "Um Ianque Na Corte Do Rei Arthur" (escrito por Mark Twain). Nada contra. Bem feitinho, até arroz e feijão vira um prato apetitoso (e "o melhor tempero para a comida é a fome", né?). E pensar que o roteiro de Luiza Shelling Tubaldini, Katherine Chediak Putnam, Karol Bueno e da própria Carina Rissi (autora do livro homônimo ao filme, com colaboração de Rod Azevedo e Chris Tex, dentre outros) tem um material bem sucedido, com milhões de exemplares vendidos (no Brasil e no exterior) em mãos mas não consegue realizar uma adaptação que agrade tanto a imensa legião de fãs do livro em questão quanto àquelas pessoas incautas que nunca ouviram da obra literária é de um absurdo que não dá para conceber.


Diversas situações apresentadas neste filme esbarram em problemas basais que começam no roteiro e vão formando um "efeito dominó" que reverbera pela interpretação do elenco e até mesmo contamina a direção de fotografia. "Perdida" - o filme - sofre gravemente de ritmo "frouxo", claudicante, nada dinâmico, com situações que não chegam nem a arranhar a superfície do que poderia causar o mínimo interesse na audiência por aqueles personagens. Mesmo quando tenta minimamente tocar em assuntos que poderiam até atrair a geração millenium - como "amor líquido" (aquele abraço, Bauman!) e a superficialidade de afeto em tempos modernos -, já pula para o próximo tópico, como quem confere uma lista de tarefas que precisam ser executadas com urgência, sem examinar direito o que precisa ser feito e PARA QUÊ necessita ser realizado.

(o roteiro tem duas boas sacadas quando traz referências bem sutis à cultura POP - uma sobre "De Volta para o Futuro - Parte 2" e outra, talvez involuntária, à série animada "Cavalo de Fogo")

A direção é (inacreditavelmente) dividida entre TRÊS profissionais - Katherine Chediak Putnam, Dean W. Law e Luiza Shelling Tubaldini -, algo incomum até em filmes estrangeiros, maior fonte de inspiração desta película. E, mesmo assim, NENHUMA tomada apresenta um resultado razoavelmente satisfatório em relação à dinâmica de cena, timing de diálogos, ou mesmo, vejam só, ambientação (vocês só tinham UM trabalho!). É tudo muito "jogado", como se não fosse necessário explicar nada do que está ocorrendo - e, mesmo assim, com uma morosidade narrativa que dá sono (ou dó).

(não é possível que o cinema brasileiro não seja capaz de realizar uma agradável aventura misturada com romance, recheada de momentos divertidos e bem encenados... Talento temos de sobra e "viralatismo" não é mais desculpa desde os tempos de "Carlota Joaquina" - de 1995 - que fez sucesso com dinheiro de troco do pão)


Falando em direção, o que dizer sobre a atuação de Giovanna Grigio? Começando pelo sotaque carioca forçadíssimo (que, vá lá, é o menor dos problemas - a atriz é paulista) -, Grigio (egressa da TV - desde criança - e seriados em streaming) precisava de um tempo maior de leitura de mesa e ensaio para perder maneirismos próprios da telinha pois, como se sabe, cinema é "maior que a vida" e tudo (tudo mesmo) fica descomunal na telona (principalmente más interpretações). E, verdade seja dita, quem deve ser responsável junto com a atriz é o triunvirato de diretores, que não conseguiu extrair aquele carisma imprescindível à protagonista para que a audiência torça por essa mocinha tão peculiar, que deveria ter correlação com o público mais jovem mas só aparenta ser uma caricatura ambulante.

O restante do elenco vai de correto - como Bruno Montaleone (um mocinho monotônico, torturado pelo passado mas de bom coração) ou Nathália Falcão (que aparentemente só serve para dizer o óbvio e estar em todas as cenas com um singelo sorriso no rosto) - à completamente dispensáveis - como Bia Arantes (uma espécie de integrante colonial das "Meninas Malvadas", que não se sabe direito por que está contra a mocinha, na verdade, é tão irrelevante que nem importa) ou, ainda, Lucinha Lins (outra "vilã", que poderia até ser um bom alívio cômico mas claramente desistiu de achar um caminho dramático viável para "fazer o seu" e pagar aquele aluguel bonito no fim do mês - sinceramente, errada não tá...) ou, quem sabe, Hélio de la Peña (num estranho papel sério e sem a menor importância na trama - de quem foi essa ideia de chamar o eterno "Seu Casseta" para essa furada?!). Sérgio Malheiros aparece quase no fim da trama, como um par romântico e só...


Mas, pra não dizer que não falamos das flores, quem traz um mínimo de coerência à sua personagem é Luciana Paes, como a misteriosa (e meio "dodói" da cabeça - lembrando levemente a saudosa Rita Lee) Abigail, responsável por colocar a heroína da história numa situação tão fabulosa. O tom da atriz - que chamou a atenção de todo mundo no ótimo "O Animal Cordial" - está acima da média em relação ao restante do elenco e suas (poucas) interações com Grigio são generosas (e preciosas), elevando o nível num eficiente "bate-bola" (tipo "vem, querida, abrace a maluquice"). Paes poderia, facilmente, protagonizar uma versão brasileira do seriado "Fleabag", tamanha a entrega em cena. Merecia mais espaço em tela...

Visualmente, "Perdida" é um filme paupérrimo - apesar de não ser uma produção de baixo orçamento. Utilizando bastantes locações reais - que, em mãos habilidosas, seria um acerto -, optou-se também por contar com uma iluminação "falso-realista", simulando ambientes aclarados por velas ou mesmo pela luz da lua, gerando um estranhamento óptico, como se fosse algo feito para novelas (da TV Record). Para usar um exemplo mais concreto, lembre-se de como eram iluminadas as cenas da novela "A Padroeira" (TV Globo). Além disso, algumas tomadas tem problemas de divisão espacial, onde tem muita gente mas tá todo mundo meio espalhado, sabe?


O figurino criado por Joanna Ribas, apesar de correto (ainda que também se pareça com algo feito para novelas televisivas), não alcança aquela "nota especial" e única, principalmente na cena que deveria ser "O" momento - onde a protagonista aparece com "aquele" vestido.

Já a direção de fotografia comandada por Jacob Solitrenick (do já clássico "Durval Discos") se utiliza de grandiosas panorâmicas em algumas tomadas e até se arrisca com poucos takes angulosos para tornar essa narrativa visual minimamente palatável. A trilha sonora composta pelo quatrilho Rogério da Costa Jr., Fabiano Krieger, Lucas Marcier e Gustavo Salgado "não infrói nem contribói". Está lá mas não registra nem impacta - quase imperceptível, na verdade.

"Perdida" pode até agradar a fãs do livro (será?) por trazer personagens tão queridos às telonas. Mas é um "balaio de gatos" narrativo, uma tremenda bagunça, que não consegue nem ser o tal emocionante "filmão" de romance água-com-açúcar, muito menos uma tresloucada aventura com toques de conflito social e de valores. Na verdade, é bem sem sal... Esse filme não poderia errar tanto - e isso é realmente lamentável. Assista e tire suas próprias conclusões.




Pode não parecer mas Kal J. Moon ainda torce pelo sucesso do cinema brasileiro. Ele só briga com quem ama de verdade...

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