Anunciada oficialmente em dezembro de 2020, durante evento para investidores promovido pela Disney, a série The Acolyte, parte integrante da franquia Star Wars, foi lançada na plataforma de streaming Disney+ envolta em muita polêmica.
No evento, foram revelados a trama, a logomarca e a showrunner da série, Leslye Headland (Boneca Russa), que já havia sido confirmada como parte da equipe da Lucasfilm, através do site StarWars.com, para trabalhar em uma série que teria como protagonista uma personagem feminina.
Tendo em vista o título da atração e seu significado dentro do cânone de Star Wars, esperava-se que a série tratasse de eventos relacionados ao personagem Sheev Palpatine, que no futuro se tornaria o Imperador Galáctico e Lorde Sith conhecido como Darth Sidious. Muitos especularam que, pelo fato de a trama se passar durante os tempos da Alta República, por volta de cem anos antes dos acontecimentos de Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma, que teríamos as aventuras do jovem Sheev e seu caminho pelo Lado Negro da Força. Um Acólito, tradução livre de The Acolyte, é como são chamados os aliados dos Sith que têm treinamento em combate e uso da Força.
Porém, em dezembro de 2021, rumores indicavam que aquela história de a série ser protagonizada por uma personagem feminina foi concretizada com a escolha da atriz Amandla Stenberg, estrela da franquia Jogos Vorazes, no papel principal, e isso foi confirmado em julho de 22. O anuncio de Stenberg como "A Acólita" enterrou as esperanças daqueles que ainda acreditavam em uma série baseada na vida do jovem imperador.
Assim sendo, concluí que o que teríamos em The Acolyte seria uma série bastante original e pouco apoiada no cânone estabelecido pelo universo expandido de Star Wars, composto por diversos livros, quadrinhos, animações e games. O que acabou, em parte, acontecendo.
Com um time de onze roteiristas, The Acolyte tem um texto pobre, com diálogos rasos e uma trama atrapalhada. A história transita entre os gêneros mistério, suspense e ação. Isto posto, afirmo que o argumento não consegue cumprir os requisitos dos dois primeiros, por trazer situações previsíveis e sequências entediantes, em vez de propor enigmas ao telespectador e tensão nos momentos mais climáticos dos episódios.
A equipe de escritores utilizou, de modo econômico, a rica tradição de Guerra nas Estrelas, apresentando pela primeira vez em live-action alguns equipamentos e conceitos do lore, porém sem muito cuidado com os detalhes de cada um deles.
Daquilo que foi tomado emprestado do universo expandido, tivemos mudanças na expectativa de vida de uma raça alienígena, facilitação do processo de "sangramento" do cristal Kyber, apresentação do único droid enfadonho de toda a franquia, inserção de um personagem farejador inútil e a infame revelação de uma nova vida criada pela Força, que é uma pessoa dividida em dois indivíduos e também é uma vergência da Força.
Portanto, sobre o roteiro, sobrou originalidade por propor uma trama baseada em gêneros — mistério e suspense — pouco explorados em obras de Star Wars, mas faltou competência para apresentá-la de forma intrigante e atraente para fãs do gênero, o que poderia gerar uma "furada de bolha", culminando em uma ampliação do público da série. Se The Acolyte tivesse trazido uma história interessante e que gerasse boca a boca nas redes sociais, a repercussão negativa que teve durante todo o período de sua exibição provavelmente não teria ocorrido.
Pra piorar tudo, pouco antes do fechamento das pontas soltas no último episódio, um personagem querido dos fãs faz uma participação especial que dura cerca de três segundos. Quem é versado no folclore de Star Wars conseguiu concluir que uma das inconsistências notadas entre a trama de The Acolyte e o que foi estabelecido no universo compartilhado nem era tão inconsistente assim, mas isso deveria ter sido explicado para o público geral, o que não aconteceu em momento algum. Quiseram utilizar o personagem como um gancho para uma possível segunda temporada (ainda não confirmada até o fechamento desta crítica), mas falharam. Quem não o conhece, não liga. E quem liga — eu, no caso — achou que ficou gratuito, como constatei ao conversar com alguns conhecidos que são entusiastas da franquia.
Se em sua produção a série acertou em algo, foi na forma como mostrou as cenas de ação. Todas as lutas foram muito bem coreografadas e executadas, estando entre as melhores de Star Wars em todos os tempos. O quinto episódio é iniciado com uma sequência de luta frenética e inesquecível.
A trilha sonora é composta por Michael Abels, que é conhecido pelo seu trabalho em Não! Não Olhe! (2022), Nós (2019) e Corra! (2017). Os temas são genéricos e o trabalho não impacta. Causou-me estranheza, especialmente, um trecho que traz fraseados de saxofone que antecipam uma cena, digamos, picante.
Outra coisa que me incomodou foi a canção "Power of Two" da cantora Victoria Monét, que toca durante os créditos finais de um dos episódios. Uma canção pop que pouco se encaixa com a atmosfera de Guerra nas Estrelas. Algo parecido aconteceu em Game of Thrones, quando, ao final do terceiro episódio da terceira temporada, foi tocada a música punk "The Bear and the Maiden Fair", da banda The Hold Steady.
Porém, naquela ocasião, o impacto do final do episódio foi imenso, encaixando-se absurdamente, de forma orgânica, ao absurdo mostrado segundos antes do início dos créditos. Só dá certo se for bem feito.
O interessante é que, em ambos os casos, foi utilizada canção encomendada e que traz letra que se relaciona à atração, mas isso é apenas uma curiosidade.
A direção de fotografia ficou a cargo de James Friend e Chris Teague e é um dos pontos altos da produção, nos mostrando cenas belamente cinematografadas por ângulos muito criativos, mas que foram mal editadas por Miikka Leskinen e Cheryl Potter. A cenografia e o figurino, responsabilidade de Rob Cameron e Jennifer L. Bryan, respectivamente, são empobrecidos e feios. Nem parece que se trata de uma série que custou cerca de 180 milhões de dólares.
O elenco traz como estrela principal a atriz Amandla Stenberg, que até então era mais conhecida por sua participação nos filmes da franquia Jogos Vorazes. Stenberg demonstra imaturidade artística com sua atuação como as gêmeas Osha e Mae. A tarefa demandava uma atriz com mais recursos, uma vez que é quase impossível distinguir as duas personagens, dado à imperícia dramática e falta de expressividade de Stenberg. Em certo momento da trama, Osha e Mae invertem seus papéis na história, o que causou ainda mais confusão. Apesar de ser uma péssima escolha de elenco, vale ressaltar que muitos destes problemas teriam sido sanados se a série tivesse bons diretores.
Manny Jacinto interpretou "O Estranho", personagem enigmático que chama atenção por seu figurino esquisito (o sujeito usa uma armadura que não protege os braços e que tem um capacete bizarramente sorridente) e trejeitos afeminados.
Apesar de ser interesse romântico da personagem de Stenberg, tem química mais latente com o excelente ator Lee Jung-Jae, que interpreta o Mestre Sol. O que é ruim é que, em dado momento, fica evidente que os personagens, Estranho e Sol, se conhecem, mas isso não é explorado, sendo mais uma ponta solta que, possivelmente, não será trabalhada no futuro, por causa do destino dos dois.
Porém, dos astros desconhecidos (por mim), Jacinto foi o que mais me chamou atenção. Até porque os demais, Charlie Barnett e Rebecca Henderson, têm atuações muito ruins.
Carrie-Ann Moss e Dafne Keen, atrizes reverenciadas por seus papéis em Matrix e Logan, respectivamente, foram mal aproveitadas. Keen, aliás, poderia ter sido elencada como protagonista da atração. Keen tem experiência como estrela principal de séries de streaming, por ter interpretado a protagonista da série His Dark Materials: Fronteiras do Universo, baseada nos livros de Philip Pulmann, e que está disponível no serviço de streaming Max. Acredito que teria se saído melhor que Stenberg se tivesse interpretado as gêmeas Osha e Mae.
The Acolyte é uma série muito ruim, com cenas de ação excelentes que não salvam o resultado final por problemas de roteiro e direção. A série teve quatro diretores: a showrunner Lesley Headland, Kogonada, Hanelle M. Culpepper e Alex Garcia Lopez, cada um deles responsável por dois episódios, mas nenhum deles conseguiu sanar os problemas que se apresentavam durante a produção e filmagem, especialmente no que diz respeito à atuação. São oito episódios que podem ser usados como guias daquilo que não se deve fazer em uma série de uma franquia gigante como é Star Wars.
A "condutora da série", Headland, além de apresentar um trabalho que conflita, em alguns aspectos, com o folclore de Guerra nas Estrelas, concedeu entrevistas atabalhoadas durante a turnê de divulgação de The Acolyte, nas quais disse absurdos como: "Star Wars já é muito gay" e concordou com outros tantos, como a afirmação do jornalista Drew Taylor, do site americano The Wrap, sobre a homossexualidade dos dois droids da trilogia clássica, rindo quando o entrevistador afirmou que "C-3PO e R2-D2 é evidentemente um casal lésbico". Brincadeiras sem graça que só irritaram, desnecessariamente, um fandom que já não estava muito animado com a série.
Se a intenção era criar engajamento e debate, errou gravemente, porque o resultado foi uma fragmentação dos fãs, que se dividiram em uma maioria de detratores da série e uma minoria, pouco barulhenta, que defendia a atração. Fico com o primeiro grupo.
Star Wars pode ser gay, não tenho nenhum problema com isso. Só não pode ser chato. Se ainda não assistiu, passe longe dessa chatice.
Marlo George assistiu, escreveu e sentiu saudade da Glória Pires
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