Criada por Stephen Graham e Jack Thorne, estrelada por nomes como Owen Cooper, Stephen Graham, Ashley Walters, Faye Marsay, Christine Tremarco e Erin Doherty, a minissérie "Adolescência" é um grito de alerta sobre os perigos do uso constante de redes sociais por jovens e chama a atenção tanto pelos diversos temas abordados quanto por suas qualidades técnicas...
A minissérie "Adolescência" é um grande sucesso de audiência, público e crítica. Já é, de longe, o programa mais visto de toda a História da plataforma paga de streaming Netflix. E é também o trunfo de uma pequena produtora - a Matriarch Productions, capitaneada por Stephen Graham e sua esposa Hannah Walters (ambos atuam na obra) -, criada pouquíssimo tempo antes da pandemia em 2020 e com alguns programas no currículo, que se tornaram bem sucedidos junto aos espectadores.
Graham juntou-se ao roteirista Jack Thorne (criador da série "His Dark Materials") e ao diretor Philip Barantini (de "O Chef") para criar uma história levemente baseada em fatos ocorridos recentemente na Inglaterra - especialmente dois casos específicos que tinham em comum o assassinato de jovens moças adolescentes por outros rapazes adolescentes portando facas (e os casos tinham a ver com cyberbullying e redes sociais) - para servir de alerta à situação grave que ocorre na Terra da Rainha (ou do Rei) mas também no mundo inteiro
Na trama de "Adolescência", um garoto de 13 anos é acusado de assassinar uma colega de escola, levando a família, a terapeuta e o investigador do caso a se perguntarem o que realmente aconteceu - e o que motivou o crime.
Dividir a minissérie em quatro episódios sem cair na tentação de criar um mero derivativo de "true crime" não só era um desafio mas também precisaria de um diferencial para chamar a atenção da audiência. O jeito foi investir em duas vertentes: formato técnico e narrativa. O formato técnico foi o chamado "plano sequência" - quando a cena não tem cortes aparentes, filmando tudo em "tomada única" (existem exemplos no cinema em filmes como "1917" e "Birdman"). Na TV, diversas séries tiveram episódios únicos, com histórias isoladas, feitas utilizando este artifício - mas tudo volta ao normal nos episódios subsequentes.
A narrativa abordada no roteiro de Graham & Thorne se destaca por buscar quatro pontos de vista, um a cada episódio. O primeiro é o ponto de vista da legalidade, em que a audiência é exposta ao bizarro caso de um menor de idade sendo preso, acusado de um crime que pode ou não ter cometido (e, por isso mesmo, preso sob custódia), com todas as implicações legais que isso pode vir a acarretar - e os procedimentos a serem tomados.
O segundo episódio - que se passa apenas alguns dias após o incidente - é uma mistura de ponto de vista da legalidade e de como a comunidade estudantil reage perante o caso, incluindo a reação de alguns alunos (envolvidos direta ou indiretamente no que ocorreu), mostrando como alguns membros do corpo docente pouco ligam para o ocorrido ou como a direção e coordenação da escola procede em casos extremos como esse.
Mas os grandes destaques do segundo episódio são as atuações dos três atores afrodescendentes em cena: Ashley Walters (que interpreta o detetive que investiga a motivação do crime), Fatima Bojang (que interpreta a melhor amiga da vítima) e Amari Bacchus (filho ou enteado - não fica claro na trama - do detetive, que estuda no mesmo colégio). O trio, de forma individual ou em conjunto quando contracenam, demonstra total domínio de seu mister, apresentando performances memoráveis, mas completamente próximas da realidade. A explosão de raiva da personagem da estreante Bojang ao agredir um colega da escola, acusando-o de ser responsável pelo que aconteceu, é algo bem crível.
Da mesma forma, a dinâmica da conversa entre os personagens interpretados por Walters (de "Uma Família de Dois") e Bacchus (egresso dos curtas), falando sobre o significado real dos emojis na conversa de Instagram, além de elucidativa, mostra que os atores não somente foram bem dirigidos e orientados como tiveram de se conter, na medida certa, para que cada um tivesse seu momento de brilhar.
E, para quem estuda roteiro, direção de elenco e direção de fotografia, esse episódio é uma aula de como se demonstra o tal do "domínio de cena" - quando um personagem está à direita da visão do público, é porque ele está "dominando" a situação; quando passa para a esquerda, quem "domina" é o personagem que passa à direita".
A direção de fotografia de Matthew Lewis (também da cultuada série "O Chef") beira a perfeição pois o que se vê em cena é quase um duelo entre a personagem de Doherty e o estreante Owen Cooper (que, em breve, estará no remake de "O Morro dos Ventos Uivantes"), onde ambos trocam de posição entre dominante e dominado. O resultado é impressionante pois, novamente, é muito próximo do que aconteceria na vida real - e só de pensar que este foi o primeiro episódio a ser filmado já traz a sensação de trabalho muito bem realizado.
A abordagem do quarto episódio é a do ponto de vista familiar, uma vez que mostra como a família está lidando com o ocorrido quase dois anos depois da prisão do caçula, enquanto aguardam o julgamento - no dia do aniversário do patriarca da família. Além disso, também mostra como o bairro local trata aquela família - que, vale lembrar, não fez nada de errado -, tendo carro de trabalho pichado com um xingamento ou mesmo recebendo elogios de um membro de movimento misógino, que acreditam que o crime cometido foi decorrente do comportamento da vítima. Curiosamente, o primeiro episódio se inicia naquela casa e também termina no mesmo local, fechando um tristonho círculo...
Mas, ainda que haja grande mérito em todas as performances do numeroso elenco e nos predicados técnicos, há de se notar o problema apresentado na "cena da corrida" do segundo episódio, em que o detetive interpretado por Ashley Walters precisa perseguir, a pé, um dos estudantes - que pode ter algo a ver com o crime - e, por conta da cena ter sido filmada com auxilio de drones e a distância entre o ponto de partida da perseguição e o ponto de chegada não ser muito distante (e com alguns obstáculos pelo caminho, como telhados com pé direito baixo e corredores estreitos), os atores correm de forma devagar demais, como se estivessem fingindo correr para que a câmera conseguisse filmar. Talvez uma mera tomada aérea resolvesse o problema - não compromete o entretenimento mas abstrai a imersão da audiência neste momento.
No fim das contas, a técnica utilizada para contar essa história corriqueira é só um detalhe, perto do que a trama entrega em matéria de dramaticidade. Embora a minissérie "converse" melhor com mães e pais, é o tipo de programa para ser assistido por toda a família, não como entretenimento banal mas como algo a ser estudado e usado como parâmetro para evitar que as futuras gerações sucumbam perante o que os comportamentos gerados pela exposição a algoritmos ditam. De longe, um dos melhores produtos audiovisuais do ano.
Kal J. Moon assistiu, se emocionou e sorriu quando tocou a clássica canção da banda a-ha...
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