Comandado por Kari Skogland na direção e Malcolm Spellman nos roteiros, a série "Falcão e o Soldado Invernal" traz Anthony Mackie e Sebastian Stan de volta ao papel dos super-heróis da Marvel numa missão ingrata e fantasiosa até certo ponto, mas totalmente plausível.


Juntos novamente pela primeira vez
Quando "WandaVision" estreou, apesar de bastante especulação, não se sabia ao certo qual a real intenção da Marvel Studios ao instituir que alguns astros de seus filmes agora estrelassem seriados criados direto para o streaming. Não seria isso um retrocesso? OK, plataformas de streaming são um negócio consolidado hoje em dia mas filmes arrecadam muito mais dinheiro em bilheterias e licenciamentos, não?

Independente de quais respostas sejam dadas, não existe opções "corretas" ou "exatas" aqui. O que temos são "apostas" - por falta de palavra melhor. Desde "Vingadores - Ultimato" que ainda não se sabia ao certo quais os planos para o futuro de sua franquia cinematográfica. E uma das maiores reclamações da crítica especializada era de que os filmes com personagens da Marvel não tinham consequências reais e plausíveis para suas tramas - pelo menos, não dentro daquele contexto apresentado em muitos filmes, onde até mesmo as situações mais dramáticas como um enterro ou a destruição completa de uma terra natal vinham acompanhadas de piadas para que a audiência mais jovem pudesse continuar apreciando aquele entretenimento mais leve (com raríssimas exceções, claro).

Com o último episódio de "WandaVision", essa ~"fórmula" caiu em desuso. Ainda que uma série bastante irregular em seus roteiros, uma longa duração que poderia ser encurtada em pelo menos dois episódios a menos e com execução pesada, a série conseguiu fazer pela personagem Wanda Maximoff o que nenhum dos filmes chegou a cogitar: um passado bem estruturado e uma construção psicológica muito mais aprofundada do que poderia se esperar da personagem que sequer era chamada como "Feiticeira Escarlate", sua contraparte nos quadrinhos.

Resumindo: a série foi um sucesso de público e de boa parte da crítica, ainda que tenha desapontado a audiência por conta de prometer mais do que entregou (parecia ser uma história bem mirabolante mas acabou de forma simples e até broxante por um certo ângulo).


Com "Falcão e o Soldado Invernal" já não houve o forte investimento de marketing de "WandaVision" muito menos o oba-oba do público foi o dos melhores pois é uma série muito diferente em questão da história e do tipo de desenvolvimento dado aos personagens. Se em "WandaVision" o objetivo era estudar o processo de luto de Wanda Maximoff, aqui vemos claramente o que ocorreu com personagens mais mundanos após os Maiores Heróis da Terra terem vencido um genocida intergalático e trazido de volta diversas pessoas que haviam desaparecido como por um passe de mágica. 

Cronologicamente, cinco anos se passaram entre os eventos de "Guerra Infinita" e "Ultimato". Como ficou a economia mundial com a volta dessas pessoas? Esse é um dos temas principais de "Falcão e o Soldado Invernal", rodeado por vasculhar o passado de Sam Wilson - o Falcão - e Bucky Barnes - o Soldado Invernal. Um era oficial da aeronáutica e outro um soldado norteamericano que foi cooptado como operativo da uma célula terrorista de vários locais, que precisam unir forças novamente por conta da aparição de um movimento extremista conhecido como "Apátridas" (nome de um obscuro vilão do Capitão América nos gibis dos anos 1980) que pode estar de posse do soro do super-soldado que conferiu poderes sobre-humanos a Steve Rogers, mais conhecido como "Capitão América". Mas o que realmente quer esse movimento chamado "Apátridas"? Quem está por trás do que acontece na perigosa cidade de Madripoor? Quem seria o tal "Mercador do Poder"? E por que Zemo - o causador da divisão dos Vingadores em "Capitão América - Guerra Civil" (aquele filme fraco!) - pode ser o único disposto a  ajudar?


Diferente de "WandaVision", "Falcão e o Soldado Invernal" aparentemente não tinha personagens que precisavam ser melhor explorados. Aparentemente porque uma das maiores críticas em relação a "Guerra Civil" foi o vilão Zemo, que nem era um barão como nos quadrinhos e criou um plano bem mequetrefe que conseguiu desmantelar os Vingadores (com um plot-twist tão safado que descobrimos uma semana antes da estreia do filme). E ainda tinha Sharon Carter, que além de ser parente da Agente Carter original - e também namorar o Capitão América -, pouco ou nada de seu passado era sabido. 

Como série, "Falcão e o Soldado Invernal" tem os mesmos problemas de "WandaVision": uma narrativa longa (mesmo que com menos episódios) em que não acontece nada relevante em algumas cenas e poderia facilmente encurtar para deixar a trama mais enxuta e ir direto ao assunto. Mas a diferença é que consegue equilibrar de forma razoavelmente satisfatória o enriquecimento dramático de alguns personagens como Falcão, Soldado Invernal, Sharon Carter e, claro, Zemo, que ganhou muito mais nuances da vilania pela qual é conhecido nos quadrinhos.

E semelhantemente a "WandaVision", "Falcão e o Soldado Invernal" reserva dois episódios que estabelece novos parâmetros para aguardar o que vem por aí no Universo Cinematográfico Marvel. E justamente usando as tais consequências dramáticas que todo mundo reclamava que não havia por conta de não querer contrariar o público mais jovem...


Os destaques positivos da série são as atuações de Sebastian Stan e Anthony Mackie, cultivando uma parceria digna de filmes seriados oitentistas. Destaque também para Wyatt Russell, que entregou bem o que é sobreviver à pressão de ser o novo Capitão América e de não ser exatamente um vilão mas um anti-herói. A ação também se fez presente em muitos episódios, o que também trouxe dinamismo à narrativa em muitos momentos. A participação de Ayo (Florence Kasumba) e as guerreiras Dora Milaje de "Pantera Negrae outros filmes trouxe ainda mais universalidade à trama, posicionando-a estruturalmente em todo o universo Marvel, sem exceção. O inspirador discurso de Mackie no último episódio, já com o novo traje de "Falcão América", também traça o paralelo do que foi o legado do herói bandeiroso e o que será daqui em diante. E trazer Isaiah Bradley (interpretado por Carl Lumbly) para dizer o que ocorreu com quem usou o soro do super-soldado muito antes de Steve Rogers foi um achado. Zemo (o sempre competente Daniel Brühl) retorna com muito mais a mostrar e ainda muito a esconder, sendo um pouco frustrante seu desfecho - um adiamento para alguma outra série ou filme, talvez?

Já os "Apátridas" e sua comandante Karli Morgenthau (Erin Kellyman) tem o escopo correto mas é meio exagerado mesmo em se tratando de um grupo extremista. Por que somente explodir tudo e matar pessoas se podem usar tecnologia e roubar altas somas para ajudar a quem eles julgam necessitar? Ainda que chega-se a se mencionar que a personagem era muito jovem, não parece simplesmente algo planejado por alguém inocente, mesmo sendo extremista. E Sharon Carter (Emily VanCamp) também tem um plot-twist que mostra as mudanças de intenções da personagem, que não ficou muito claro mas que também deve ser elucidado em novas séries ou filmes. E quem poderia imaginar Julia Louis-Dreyfus como uma importante personagem da Marvel que deve dar muito o que falar nos próximos anos? A série também tem inspirada direção de fotografia de P.J. Dillon (de trabalhos elogiados como "Penny Dreadful", "Game of Thrones" e "Vikings"), emulando perfeitamente ângulos ousados de histórias em quadrinhos.


"Falcão e o Soldado Invernal" mostra que os executivos da Marvel Studios estavam de olho às críticas o tempo todo. E se o planejamento das séries não foi exatamente um "retcon" (talvez uma correção de curso para alguns personagens), pode representar um lucrativo recurso para trazer mais estofo estrutural às suas franquias. E em tempos tão difíceis quanto os que vivemos, entretenimento e reflexão são muito mais que bem vindos...


Kal J. Moon já chamou um filme da Marvel Studios de "fraco" em rede nacional. E nem era um super-soldado...