Escrito e dirigido pela dupla Daniel Kwan & Daniel Scheinert - mais "conhecidos" pelos cinéfilos como "Daniels" -, estrelado por Michelle Yeoh, Stephanie Hsu, Ke Huy Quan, James Hong e Jamie Lee Curtis, "Tudo Em Todo O Lugar Ao Mesmo Tempo" é melhor, pior ou IGUAL a "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura"? Bem, vem descobrir...


'Matrix' da geração millenial
Depois do estrondoso sucesso do primeiro filme da saga "Matrix" - filme revolucionário dirigido pelas hoje chamadas "Irmãs Wachowski" -, veio uma imensa quantidade de produtos (filmes, games, seriados etc) tentando "surfar na mesma onda". Tudo que foi lançado depois com esse intuito soçobrou de  forma estrondosa - incluindo até as continuações de 'Matrix' (com exceção da antologia "Animatrix", uma ótima ideia de exploração de universo fictício copiada até hoje em "Star Wars - Visions" e "The Boys - Diabolical"). E isso nos leva à abordagem cinematográfica (e esquizofrênica) "sem regras" de "Tudo Em Todo O Lugar Ao Mesmo Tempo".

Na trama, uma imigrante chinesa enfrenta problemas para pagar seus impostos, o que acaba iniciando uma saga para passear pelo multiverso, descobrindo O QUE ACONTECERIA SE ela tivesse tomado decisões diferentes no passado como lutar pelos seus sonhos de se tornar atriz, cozinheira ou não ter formado família, por exemplo.

Assistir "Tudo Em Todo O Lugar Ao Mesmo Tempo" é parte deleite e parte suplício. Pesquisar sobre o filme depois de assistir é descobrir e compreender que esse é um projeto de baixo orçamento, que TODOS os efeitos especiais foram executados por um pequeno grupo de menos de dez pessoas (incluindo um dos diretores) que não vieram da indústria de VFX mas aprenderam tudo o que precisavam executar com tutoriais espalhados pela internet e que quem estrelaria essa "fábula" era o astro Jackie Chan...

(eu posso praticamente ouvir um "aaaaaah, agora eu entendi..." depois da última frase do parágrafo anterior)


Quando se sabe disso e, então, se descobre que todo o 'déjà vu' (ha!) sentido durante a exibição desta película talvez seja proposital, homenageando e trazendo de volta aquela sensação de que qualquer coisa pode acontecer - menos que nossos heróis morram durante o processo, bem, as coisas parecem ter mais propósito. E dá-lhe lutas marciais ao melhor estilo "O Tigre e o Dragão" - dentre outros estilo, como wrestling - mas com alguns momentos vexatórios com claro propósito cômico (Jackie Chan, lembra?)...

Mas, enquanto a diversão come solta, vem a pergunta: "essa luta não tá durando demais não?". E quando a tal luta termina, vemos que já se passou uma hora e meia de exibição e ainda falta quase uma hora pro filme terminar. e dá-lhe papo existencial sobre o papel de cada indivíduo na humanidade, qual a real importância no que fazemos ou deixamos de fazer, como isso interfere na existência do universo... - mas não da forma equilibrada como no primeiro 'Matrix' mas sim como aquela enjoada aula de filosofia que somos obrigados a assistir para podermos tirar, pelo menos, a nota mínima e não bombarmos na matéria... Pois é.


O roteiro dos 'Daniels' tenta abraçar a tal abordagem "sem regras" (tá, sei) mas na verdade é bem quadrada pois o filme é dividido em, literalmente, três atos - que explicam o título da película -, utilizando-se bem da já surrada 'jornada do herói', com o chamado à aventura, a negação do chamado, a aceitação do chamado, a descoberta do plano do vilão, o enfrentamento final e a mudança de personalidade ao final da aventura. É um filme bem desequilibrado nesse sentido pois quando se acostuma às regras estabelecidas inicialmente, muda-se o conceito, como se tudo estivesse em constante mudança. E também há um excesso de didatismo onde personagens parecem explicar o que já está sendo visto somente para não ficar sem falas ou para se certificar de que a audiência vá realmente entender o que está acontecendo...

Tem um momento em que os personagens conversam sobre isso e um deles diz que "você é quem não está sabendo explicar direito". Daí, ao término da exibição chega-se à conclusão de que essa história é bem mais simples do que se imagina, mas propositalmente complicada para parecer mais substancial do que realmente é - "simplifique, simplifique", já dizia Thoreau. Ou seja: a famosa "firula" ou "encheção de linguiça" com algumas referências inusitadas (a principal é a de que o plano do vilão veio de uma frase em relação ao pouco entendimento de Homer Simpson em relação à obra máxima de estudo de Stephen Hawking - acharam que não perceberíamos mas percebemos...) e uma piada que se repete mais tempo do que deveria (tem a ver com uma animação da Disney / Pixar), terminando por perder a graça ao longo da rodagem. 

(Não podemos deixar de falar do tipo de humor do roteiro dos "Daniels": sabe aquela conversa no trabalho ou num bar que escala muito rápido entre o erudito e o esdrúxulo? Isso é o que ocorre em muitas cenas desse filme. Algumas vezes são apenas rápidas menções visuais - como uma urna funerária falante, que na verdade é um pedaço de uma cena cortada considerada "pesada" demais - mas outras vezes são inusitados objetos utilizados nas cenas de luta - se você "pensou besteira" sobre o que há na mesa da burocrata interpretada por Jamie Lee Curtis, já faz alguma ideia do que pode encarar. Muitas das piadas do filme tem muito a ver com o universo LGBT - e até parte de alguns temas sérios abordados na trama - e isso pode não agradar todo mundo)


Mas na área técnica vale destacar a esperta edição de Paul Rogers (que trabalhou com os diretores em "The Death of Dick Long") e a inspirada direção de fotografia comandada por Larkin Seiple (que também trabalhou com os diretores em "Um Cadáver Para Sobreviver"). O que essa dupla faz visualmente é bem impressionante em matéria de sensorialidade da atmosfera do universo apresentado no filme.

Também há de se destacar o elenco, todo mundo engajado tanto na galhofa cômica quanto nos momentos mais dramáticos - e existem vários dignos de nota. Os destaques óbvios são mesmo para Michelle Yeoh e Stephanie Hsu, uma vez que o roteiro privilegia a investida de suas personagens contra o "vilão" - e todas as metáforas incluídas nessa "definição" não fazem jus ao que realmente ocorre na trama - com momentos verdadeiros de uma relação entre mãe e filha. O inesperado retorno de Ke Huy Quan - que um dia já foi o garotinho Short Round de "Indiana Jones" (e o nipônico de "Os Goonies") - é uma grata surpresa, demonstrando que o tempo lhe fez muito bem em matéria de atuação, mesclando bem a verve "careteira" com interpretação dramática correta quando necessário.


Já Jamie Lee Curtis entrega, como sempre, uma boa performance e mostra que "veste a camisa" - como fez recentemente no retorno à franquia "Halloween" - tanto nos momentos de luta marcial quanto em demonstrar que é somente uma burocrata que só quer fazer seu serviço mas tem de lidar com "clientes idiotas" (e, ainda por cima, imigrantes que não entendem bem sua língua). Quem não tem tanto destaque é James Hong, pois está apenas operante mas a culpa é mais do roteiro que o deixa de escanteio com uma participação menor do que deveria - porém tem seus momentos. Mas é bacana ver a entrega de um elenco tão engajado em fazer o filme "dar certo" pois transparece que todos estão se divertindo durante a filmagem.

A coreografia de luta criada por Andy Le e Brian Le tem uns probleminhas de continuidade que podem ser atribuídas à edição picotada de Paul Rogers - uma pessoa leva um chute no rosto e retorna ao combate rindo, por exemplo (e não parece ser algo da cena mas, sim, um take repetido diversas vezes e pegaram o ângulo errado) - mas no geral convence pois mistura diversos estilos marciais de enfrentamento corpo-a-corpo.


"Tudo Em Todo O Lugar Ao Mesmo Tempo" é mais megalomaníaco do que deveria, mais filosófico e pretensioso do que se é tolerável e menos surpreendente do que se espera - se prestar atenção, a audiência "mata a charada" nos primeiros 15 minutos de exibição. Mas convence no papel de entretenimento. Não é genial como estão dizendo mas bem criativo e longe de ser um filme ruim.

A verdade que ninguém quer dizer é que se esse filme, do jeito que foi realizado, nunca seria bem aceito se fosse feito por cineastas brasileiros - mas como vem de fora, meio Brasil tá lambendo as botas dos gringos até ficarem brilhando (o fato de ser algo lançado pela produtora / distribuidora A24 - que se tornou queridinha da turma de "cinéfilos tênis verdes", aquela corja insuportável que adora um filme "fora da caixinha" - pode explicar esse comportamento).

Resumindo: é o tipo de filme "diferentão" que gera aquele burburinho maroto em festivais de cinema, vira algo "cult" instantaneamente, concorre a alguns prêmios, ganha edições luxuosas em mídias físicas mas que é esquecido no ano seguinte - lembra do "fenômeno" "Scott Pilgrim"? Pois é... E não, não tem nada a ver com o segundo filme do Doutor Estranho (talvez um dos temas e o visual de uma das cenas mas a abordagem é completamente diferente). Provavelmente seria melhor se fosse um longa animado. Assista e tire suas próprias conclusões. E, claro, veja com baixas expectativas.





Kal J. Moon já lutou kung-fu, nunca duvidou do poder de uma pochete e aguarda a redenção cinematográfica dos sapatênis...


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