Criado, dirigido e com trilha sonora de Michael Giacchino, estrelado por nomes como Gael García Bernal, Laura Donnelly, Harriet Sansom Harris, dentre outros, o especial "Lobisomem na Noite" mostra que quando as mentes criativas por trás do Universo Cinematográfico Marvel cedem um pouquinho que seja, pequenas e valiosas jóias do audiovisual podem surgir no processo, levando o legado da Casa das Ideias adiante, mesmo que olhando para um obscuro passado...
"Werewolf By Night" - ou simplesmente "Werewolf" - é o nome da série dos quadrinhos que acompanha a saga do lobisomem da Marvel Comics. Essas tramas de terror e suspense surgiram pela primeira vez numa história curta de apenas cinco páginas na edição 116 da revista "Marvel Tales" em julho de 1953. Porém, por conta daquela pataquada conhecida como a perseguição comandada pelo psiquiatra e pulha de plantão Fredric Wertham (1865-1981) - instigado pelo movimento de caça aos comunistas chamado de "Macarthismo", por conta de ter sido comandado pelo biltre sacripantas e senador norte-americano Joseph McCarthy (1908-1957), que visava proteger os Estados Unidos de influência externa nas expressões artísticas em geral, como teatro, TV, cinema e, claro, histórias em quadrinhos - sob a falácia de "o que estamos deixando nossas criancinhas lerem ou assistirem?".
Muitos atores e atrizes, assim como roteiristas foram presos ou impedidos de trabalhar sob alegação de pertencerem a movimentos políticos considerados "comunistas", promovendo assim uma verdadeira "caça às bruxas" entre as mais criativas mentes do entretenimento feito nos Estados Unidos por medo da paranoia da da tal "invasão soviética" (que nunca ocorreu) que acabou virando a treta internacional infundada chamada de "Guerra Fria".
(Se tiver curiosidade de saber como se deu esse momento negro da História, assista o filme "Trumbo - Lista Negra" - estrelado por Bryan Cranston, papel que o levou à indicação do Oscar de Melhor Ator - que mostra um dos mais prolíficos roteiristas enfrentando toda a turba conservadora com um estratagema digno de louvor)
Esse erro histórico dessa gente cafona e desregulada das ideias só foi desfeito no final da década de 1950 mas seus efeitos perduraram por décadas. Tanto que os personagens de "Werewolf By Night" só ganharam uma nova chance nos quadrinhos da editora Marvel Comics na segunda edição da revista em quadrinhos "Marvel Spotlight" em fevereiro de 1972 baseado numa ideia do celebrado roteirista Roy Thomas mas com execução do também roteirista Gerry Conway e do desenhista Mike Ploog, apresentando Jack Russell, que tentava sobreviver com sua sina de ser metade humano e metade... lobisomem.
E chegamos ao aterrorizante ano de 2022 - onde a pretensa onda conservadora está de volta e é mais perigosa do que se imagina, não podendo ser, em momento algum, subestimada -, onde o especial "Lobisomem na Noite" (uma péssima tradução literal para "Werewolf by Night" - o mais correto seria "Lobisomem à Solta"), praticamente um média-metragem, trazendo o conceito de terror e personagens místicos que nem sempre tem chance de aparecer direito no cercadinho multi-colorido de super-heróis do assim chamado Universo Cinematográfico Marvel nesta "apresentação especial" feita especialmente para a plataforma paga de streaming Disney+.
Uma trama simples e objetiva escrita por Heather Quinn (da recente série Marvel "Gavião Arqueiro") e Peter Cameron (das também recentes séries Marvel "WandaVision" e "Cavaleiro da Lua") - ou seja, a dupla se equilibra entre sucessos, fracassos e produtos de qualidade bem questionável - que entrega um bom e esforçado resgate ao que era produzido nos filmes e séries de terror das décadas de 1930 e 1940, com uma pitada dos slashers da década de 1970 e uma narrativa híbrida vinda mesclando o melhor do século passado com o valor de produção dos novos e tecnológicos tempos, para audiências impacientes. Mesmo que não seja um primor de trama - já vimos isso antes, e até melhor -, o especial acerta ao ser direto em seus objetivos (apresentar novos personagens que poderão aparecer futuramente em outros filmes e séries) e mostra-se competente no quesito "entretenimento".
Pequenas mensagens são dadas durante a exibição quando, por exemplo, a personagem Elsa Bloodstone - interpretada por Laura Donnelly - precisa puxar uma cadeira para se acomodar entre os outros caçadores (a maioria compostas de homens), mesmo sendo legítima herdeira do prêmio (e mesmo que a cerimônia estivesse sendo conduzida por uma mulher). Ou quando se descobre que um dos personagens não está exatamente do lado do que é predito na cerimônia, revelando o preconceito com quem é... diferente e até mesmo pacífico - pois é, nestes tenebrosos novos tempos, ser pacífico é uma ofensa inacreditável.
Na parte técnica, temos de ressaltar a acertada escolha por utilizar efeitos especiais práticos, com pouquíssima renderização de CGI, tornando o visual mais próximo dos clássicos filmes de terror da produtora Hammer, por exemplo, do que o que é feito pela Marvel no cinema - e que tem sido motivo de chacota a cada nova tentativa pífia de emular visualmente o que é tão fantástico que acaba resultando em algo nada crível. O resultado é bem satisfatório nesse sentido.
A direção de fotografia de Zoë White (de séries como "O Conto da Aia" e "Westworld") entrega alguns ângulos que emulam bem a atmosfera de filmes clássicos do gênero mas não vai além disso. A maquiagem do lobisomem deixa a desejar por não apresentar uma fera lupina de fato mas apenas... um homem muito peludo e com garras afiadas. Tem uma cena bem específica que, visto de costas, o personagem ficou parecendo o Wolverine (quando você assistir, terá a mesma impressão). Faltou um focinho e presas caninas MAIS protuberantes - assim como nos quadrinhos - para gerar um maior efeito dramático (provavelmente isso não ocorreu para que a audiência pudesse ver as expressões faciais do ator - o que, por si só, tira a ousadia do projeto e revela-se uma péssima decisão).
Na parte de atuação não há grandes destaques por ser uma obra de curtíssima duração. A já citada Laura Donnelly coprotagoniza ao lado de Gael García Bernal (num papel bem diferente do que estamos acostumados a ver) e a dupla entrega o que está na proposta: sobreviventes numa noite fria, escura e violenta. Outros membros do elenco ou estão bem exagerados (apesar de isso fazer parte da proposta, passou do limite do tolerável) - como Harriet Sansom Harris e sua personagem Verussa, a cerimonialista do evento macabro - ou estão bem caricatos (apesar do visual bacana) - como Kirk R. Thatcher e seu personagem, o caçador de monstros Jovan - ou totalmente irrelevantes - como Daniel J. Watts, Leonardo Nam, Eugenie Bondurant e todo o resto do elenco. Claro que Carey Jones e Jeffrey Ford (ambos responsáveis pela movimentação e pela voz de Ted, personagem mais conhecido como... "Homem-Coisa") pois conseguiram imprimir uma simpatia em pouquíssimos momentos de tela que um filme inteiro do personagem (sim, existe um filme do Homem-Coisa, lançado na surdina para o mercado de DVD em 2005) não chegou nem perto.
"Lobisomem na Noite" é uma pérola no meio de porcos. Talvez não agrade à ampla audiência marvete - que não tem dado suporte às poucas produções que tem fugido um pouco da cartilha Marvel - porém arrisca entregar um produto de entretenimento de qualidade, resgatando a melhor parte do que já era bom no passado mas visando bem onde quer estar no futuro. Mas para chegar lá, só vai depender da aceitação da turba que já defendeu até filme ruim como se não houvesse amanhã. O diferente está aí para proporcionar novas experiências, não é algo para se assustar. Aproveite enquanto pode pois, talvez, isso não seja mais permitido daqui para frente. Por isso mesmo, permita-se pois, se repararmos bem, a cor do logotipo da Casa das Ideias é vermelho-sangue...
Em todo o site, deixamos sugestões de compra geek. Deste modo, poderemos continuar informando sobre o Universo Nerd com fontes confiáveis e mantendo nosso poder nerd maior que 8.000. Afinal, como você, nós do portal Poltrona POP já éramos nerds antes disso ser legal!