Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, estrelado por Dave Bautista, Jonathan Groff, Rupert Grint, Ben Aldridge, Nikki Amuka-Bird, Abby Quinn e a estreante Kristen Cui, o filme "Batem à Porta" tenta responder à mais temida pergunta da humanidade em tempos de pós-pandemia: "E se aqueles que acreditam em teorias de conspiração estiverem... certos?".


O Apocalipse segundo Manoj
Baseado no livro best-seller O Chalé no Fim do Mundo” (já lançado no Brasil), de autoria de Paul Tremblay, o novo filme do cultuado (e, hoje, igualmente odiado) diretor indiano M. Night Shyamalan pode, mais uma vez, ser considerado divisivo em sua carreira. Mas ninguém pode dizer, em momento algum, que é um produto covarde ou, ainda, que não reflete os dias difíceis de apostasia e crença extrema que vivemos.

Na trama, durante as férias num chalé distante, uma jovem e seus pais são feitos reféns por quatro estranhos armados que exigem uma escolha inimaginável da família para evitar o apocalipse. Com acesso limitado ao mundo exterior, a família deve decidir no que realmente acredita antes que tudo esteja perdido.


Para quem estiver se perguntando, fique sabendo: "Batem à Porta" é melhor como adaptação do que o pavoroso "Tempo". Ponto - não que fosse algo muito difícil, bastava não inventar muito com o material original. Mas o ponto positivo deste filme é justamente entrar na seara temática que Shyamalan mais se aventurou em sua cinematografia: a fé.

Presente desde seu primeiro longa-metragem ("Praying with Anger", 1992), a fé é discutida em ótimos exemplares dirigidos por "tio Shy" como "O Sexto Sentido" e "Corpo Fechado", além dos controversos (mas interessantes) "Sinais", "A Vila" e "A Dama na Água" - e até mesmo na TV, na curiosa série "Servant", onde atua como produtor executivo. Trazer a temática novamente à baila é como "voltar ao básico", um movimento "confortável", ainda que novamente adaptando a obra de outrem. E "Batem à Porta" também é um filme pequeno em escopo, com poucos cenários, elenco diminuto e poucas participações externas.


A mescla de resolução da trama entre ação e (muitos) diálogos funciona a contento até certo ponto, quando exige da audiência mais entrega do que deveria. O roteiro é dividido com a dupla Steve Desmond & Michael Sherman (ambos egressos de curtas-metragens) e serve como parâmetro (e debate) para toda uma paranoia e miscelânea de crenças que vivemos nos tempos atuais - desde mitologias judaico-cristãs (como o Apocalipse) até astrologia, tudo passa pelo caldeirão desta história como se fosse somente uma nova faceta de algo que não tem explicação.

O destaque principal do filme é, obviamente, o ator Dave Bautista  (talvez a melhor coisa daquele engodo chamado "Blade Runner 2049"), que já demonstra há algum tempo  um esforço digno para entregar personagens fora da curva e interpretações acima da média. Neste filme, Bautista não só abraça sua personagem como se não houvesse amanhã (ha!) como carrega o peso (haha!) de ser o elemento que une as narrativas e, também, as outras interpretações - se existe um motivo para acreditar nas performances dessa película, o "gigante gentil" pode estar ser listado como tal.

Rupert Grint (que também está no elenco do seriado "Servant") também está fazendo o máximo para se afastar da imagem "potteriana" de seu início de carreira e entrega uma performance coerente com sua personagem, ainda que com pouco tempo de tela.  A estreante atriz mirim Kristen Cui dá conta do recado e parte da narrativa depende bastante de sua entrega - ela não faz feio (apesar de sua personagem parecer mais inteligente e um tanto loquaz para sua idade na trama) e é um nome a se prestar atenção num futuro próximo (seu olhar inicial de desconfiança seguido, após alguns instantes, de total crença, se transformando em medo aparente é algo digno de nota). O restante do elenco está okay mas apenas funcional, sem grandes destaques.

(Shyamalan, inclusive, faz sua costumeira breve aparição hitchcokiana, num programa de TV que trata do mais novo objeto de adoração de meio mundo: a air fryer.)


Como praticamente 80% do filme se passa em apenas um cenário, a cenografia é bem convincente e tenta se utilizar de luz natural para muitas cenas, o que gera algumas tomadas bem vistosas, misturando o verde da mata silvestre com o colorido natural da fauna local. "Culpa" da adequada direção de fotografia comandada pela dupla Jarin Blaschke (do recente "O Homem do Norte") & Lowell A. Meyer (do já mencionado seriado "Servant"), que conseguiu imprimir a mescla ideal do ambiente bucólico e inóspito com o clima de terror e suspense que a trama pede, com ângulos que simulam o olhar de uma criança (o famoso "contra-plongée") e algumas tomadas "circulares" bem dinâmicas para acompanhar determinadas ações dos personagens (dizer exatamente o que seria entregar spoilers então será necessário prestar atenção quando a "primeira decisão" da trama for tomada para entender o que é mencionado aqui).

Já nos pontos negativos, o roteiro do trio Shyamalan, DesmondSherman funciona praticamente como uma peça de teatro na maior parte do tempo. Com isso, depois do primeiro momento chocante, muito do que acontece em seguida parece cada vez mais frustrante e previsível, até mesmo a repulsiva decisão que aquela família precisa tomar para mudar o rumo do que está acontecendo no mundo. O roteiro só poderia partir para dois caminhos e a escolha foi pelo mais óbvio - porém, por isso mesmo, menos surpreendente. E esse detalhe, talvez, seja o elemento que gerará, na audiência, a tal divisão mencionada no início do texto pois não há a famosa "surpresa no final" que muitos filmes do diretor carregam em seu terceiro ato. Na verdade, quem prestar atenção à primeira meia hora de exibição, vai entender exatamente o que ocorrerá na resolução da trama....

(o real problema do roteiro - que conversa bastante com as batidas de "A Vila", por exemplo -  é que sua mensagem principal coloca um pingo de crédito em teorias malucas advindas de pessoas extremistas em forma de parábola - mais ou menos como no discutível recente filme "A Última Noite" - e isso pode ser utilizado por esse povo enjoado e cafona para validar seus atos altamente questionáveis)


Porém, com mais de trinta anos de carreira, entre altos e baixos, Shyamalan continua sabendo como entreter parte do seu público. O cineasta sabe exatamente para onde guiar o olhar da audiência, ainda que precise de, talvez, melhores roteiros para voltar à antiga forma.

"Batem à Porta" é, sim, um filme divisivo, verdade, e nem deve constar na lista dos melhores que Manoj Nelliyattu - nome verdadeiro do diretortenha realizado um dia. Porém está longe de figurar na lista de piores obras em que trabalhou. Não é uma maravilha mas também não é nenhum fim do mundo. Entretém a quem não espera nada além de uma diversão frívola com um pinguinho de reflexão de mesa de bar. Assista e tire suas próprias conclusões.



Kal J. Moon espera que o mundo termine num barranco, para poder morrer encostado...


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