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CRÍTICA [STREAMING] | "A Casa Mórbida", por Kal J. Moon

Escrito e dirigido pela dupla Bridget Savage Cole & Danielle Krudy, estrelado pela vencedora do Oscar Ariana DeBose, Arian Moayed, Barbie FerreiraImola Gáspár, o filme "A Casa Mórbida" é um pequeno achado para quem sente falta de histórias bem contadas na tão combalida seara de filmes de terror...


Morte na panela
Embora ainda seja um gênero de muito sucesso no cinema, o terror anda mal das pernas em matéria de qualidade de roteiros, apresentando muitas obras de apelo comercial mas deveras vazias no quesito desenvolvimento e profundidade de temas. A grande maioria desse tipo de filme apela para o já corriqueiro "monstro da vez", seja um (a) boneco (a) que atormenta seus compradores ou um mal ancestral que é despertado por incautos numa sequência de eventos aleatórios ou ainda seres de outras dimensões espirituais que cismam com a cara de um grupo de pessoas - e, em todos os casos, há a necessidade de fugir até restar apenas uma mulher que tem de enfrentar seus medos e vencer o mal.

É interessante pensar que o gênero do terror exista há tanto tempo mas o século vinte meio que estabeleceu que o protagonismo feminino faz parte da fórmula da maioria dos casos dos roteiros, tanto para o lado da "final girl" quanto pro lado do "monstro da vez". "A Casa Mórbida" não tenta reinventar a roda mas não reza 100% pela cartilha do que se considera pré-estabelecido no terror cinematográfico pós-moderno.

Na trama, uma ambiciosa chef abre seu primeiro restaurante - estilo "da fazenda à mesa" numa propriedade localizada num lugar bem distante - onde luta contra o caos na cozinha, um investidor duvidoso, dúvidas esmagadoras e uma casa que parece desafiar toda lógica, além de deixar claro que ninguém é bem-vindo ao local, onde tudo o que é feito na cozinha apodrece...


Pelo resumo acima, parece apenas mais um exemplar de filme de "casa mal-assombrada" - e é! - mas o diferencial desse filme está justamente no seu subtexto. Assim como o recente (e subestimado) filme "O Menu", o roteiro escrito pela dupla de diretoras Bridget Savage Cole & Danielle Krudy (da recente série "The Stand") não fala especificamente das dificuldades do ambiente culinário - ainda que utilize todo esse background como cenário para sua parábola acerca dos sacrifícios das mulheres num mercado altamente competitivo e... dominado por homens em todas as cadeias do processo.

E isso serve qualquer parte do mercado de trabalho mas - novamente, como "O Menu" - também é uma ótima metáfora sobre os bastidores da produção cinematográfica, uma vez que é bem mais difícil estabelecer uma "voz" (ou "tom") de um roteiro ou filme sem interferência externa - lembrando, de uma indústria comandada pela visão masculina do negócio.

Só para se ter uma ideia, a personagem interpretada por Ariana DeBose (vencedora do Oscar por seu desempenho em "Amor, Sublime Amor") não tem nome e é chamada apenas de "chef" - sua profissão e o que faz para exercê-la precede, na percepção de quem está ao redor, quem a personagem é de fato. a caracterização de DeBose é bem interessante nesse sentido pois, apesar de não se saber muito sobre a personagem, seu corte de cabelo e suas atitudes mais "incisivas" podem denotar um comportamento tipicamente masculino - como a personagem interpretada por Barbie Ferreira (da série "Euphoria") afirma em dois diálogos.


Também há a clara alusão à competição entre mulheres e a tal "puxada de tapete" quando existe a menor possibilidade de crescimento profissional - fazendo com que uma personagem com ideais claramente feministas não pense duas vezes em prejudicar a colega para alcançar algum proveito próprio (independente de ser ou não capacitada para tal), mostrando que a hipocrisia está aí, só não vê quem quer. O mesmo pode-se dizer da personagem interpretada por Amara Karan, uma blogueira culinária que faz um comentário mordaz e destrutivo, destruindo a chance de um importante investidor de colocar seu dinheiro num promissor negócio.

A figura de "a quem se reportar" é representada em dois momentos. No início, a personagem de DeBose era a fiel discípula de um renomado chef - interpretado com pouco tempo de tela mas de forma funcional por Marton Csokas) - para depois, na "oportunidade de uma vida", ter de responder ao investidor Dre (que se revela um verdadeiro escroque) - interpretado por Arian Moayed. Ou seja: a personagem ainda precisa se provar para um - ou vários -, mesmo sendo altamente capaz de prover ao negócio o que mais importa (seu talento).

(o único 'porém' do roteiro são algumas simplificações a respeito da casa em que se passa a maior parte da história, em que a personagem principal não sabe nada de seus cômodos e não explora totalmente mas somente quando algo errado ocorre)


Sobre as interpretações, o elenco está bem funcional e ninguém realmente se destaca além da própria Ariana DeBose, uma vez que a trama é centrada basicamente em sua personagem e em toda sua jornada de descoberta (tanto pessoal, profissional e do que diabos está acontecendo naquela casa para tudo dar errado). A atriz entrega uma boa performance que, se não é algo digno de prêmios, também não compromete e o público torce por ela, uma vez que é a única que pode obter as respostas aos enigmas plantados no início da história.

Vale destacar também as breves aparições do "monstro da vez" na fantasmagórica interpretação de Imola Gáspár (do recente "Duna - Parte 2"), que vai do assustador ao tocante - culpa também tanto da direção quanto do engenhoso roteiro dessa promissora dupla de diretoras.

A direção de fotografia comandada por Eric Lin (do obscuro - mas ótimo - "Força Para Viver") é diferenciada não por investir em ângulos inusitados mas por mostrar, na maior parte do tempo, uma narrativa visual "clássica", porém também emular enquadramentos dignos de realities shows culinários ou de programas documentais televisivos sobre a exploração da natureza, com belos takes em ambos os casos.


As diretoras e roteiristas Bridget Savage Cole & Danielle Krudy sabem exatamente o que querem de seu elenco e não extrapola muito menos são sutis em suas intenções dramatúrgicas. Cada tomada e interação entre o elenco tem um motivo específico para colaborar com a trama, sem firulas ou enrolações ou cenas para mostrar uma excelente atuação que destoe das demais. A dupla não só é promissora como tem total domínio de seu mister.

Mas não se engane: ainda que mais elaborado que seus antecessores, "A Casa Mórbida" não é um filme de sustos fáceis e situações previsíveis - se procurar pelo terrorzão tradicional com matanças e perseguições, pode se decepcionar feio.... Existe, sim, uma ou outra cena típica de "jump scare" - provavelmente exigida por produtores para garantir a satisfação do público atual - mas o terror aqui é mais uma sensação de ~"incômodo" do que um susto propriamente dito. E a reviravolta no terço final faz toda a experiência valer a pena.

Este filme se mostra, no fim das contas, um perfeito exemplar de uma história que seria digna de um exemplar de "Contos da Cripta" mas com um toque moderno e visão ainda mais aterradora, vaticinando que o maior pesadelo de qualquer ser humano é... outro ser humano. "A Casa Mórbida" é apropriado para quem cansou do "fast-food" cinematográfico e precisa de algo mais requintado em matéria de narrativa. Delicie-se sem moderação.




Kal J. Moon sabe cozinhar mas o que prepara não é para qualquer pessoa, uma vez que apenas paladares refinados apreciam suas iguarias (é uma gororoba, isso sim!)...

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