Escrito e dirigido pelo cultuado Robert Eggers, estrelado por Bill Skarsgård, Nicholas Hoult, Lily-Rose Depp, Aaron Taylor-Johnson, Emma Corrin, Ralph Ineson, Simon McBurney e Willem Dafoe, o filme "Nosferatu" é a prova de que, para se realizar um remake / reboot, não é necessário reinventar a roda. Basta somente ter talento para trazer a essência original para novos tempos...


Pesadelo púrpura
Grande parte do público reclama de remakes por conta do que se faz em matéria de adaptação. Não importa a base, sempre terá alguma invencionice para atualizar o conceito a novos públicos - e isso, geralmente, se reflete em péssima bilheteria, má recepção de público e crítica, além de causar ojeriza no chamado público-alvo (afastando o que restou do público que consumia o material original. Os motivos para esses equívocos são muitos. Os principais são produtores exigindo que autores pensem como publicitários, transformando arte tão somente em produtos porque determinadas pesquisas dizem que se tiver um romance, homens descamisados e explosões, o filme pode atingir a faixa etária XYZ.

Mas a verdade é que os bons profissionais responsáveis pelas melhores adaptações audiovisuais ou já não estão neste plano terreno ou se aposentaram ou simplesmente mudaram de ramo por conta de produtores exigindo que autores pensem como publicitários. Mas a Providência quis que Robert Eggers tivesse em suas mãos a paixão necessária para que a novíssima versão de "Nosferatu" fosse reverente o suficiente ao original e ainda trouxesse alguma novidade que não causasse embaraço aos envolvidos.


Na trama, um jovem corretor de imóveis precisa levar uma escritura de uma velha mansão para um excêntrico nobre assinar, a fim de subir de cargo em seu emprego, uma vez que está recém-casado e o aumento de salário seria muito bem-vindo. Mas as coisas fogem a seu controle numa espiral de obsessão que acidentalmente acabam por envolver sua esposa, familiares e quem mais atravessar o caminho do que pode-se chamar de "mal encarnado" - ou, no linguajar popular, um vampiro.

Vale lembrar que o filme original só foi feito por não terem conseguido os direitos para filmar o livro "Drácula" (de Bram Stoker). Portanto, o "Nosferatu" de 1922 (dirigido por F.W. Murnau) já pode ser considerada a primeira adaptação de "Drácula" e, por isso mesmo, toma liberdades como mudar nomes de personagens e também algumas situações narradas no texto que veio anteriormente. Tendo isso em mente, Eggers parece ter imaginado "O que Murnau teria feito se tivesse toda a tecnologia e dinheiro para fazer o filme que desejava com o melhor da atualidade?". O resultado está na telona, em gloriosa pompa, teatral, dantesco porém contido, grandioso como toda obra de arte merece ser.


O roteiro - também escrito por Eggers - respeita a inteligência da audiência a ponto de não se importar se alguém assistiu o filme de 1922 ou leu a narrativa missivista de Stoker. Tanto que a história demora mais ou menos uma hora de rodagem para estabelecer seu "universo" calmamente, sem maiores preocupações - e esse é o teste definitivo para quem tem muito apego às narrativas apressadas do audiovisual da atualidade. Mas a espera vale a pena pois a recompensa da segunda hora é inédito e familiar ao mesmo tempo. Sabe-se o que vai acontecer - mas não se sabe "como" vai acontecer (e com quem).

Por ser um projeto antigo e muito querido, Eggers exige de seu elenco entrega total. Não há espaço para "medo do ridículo". Tanto que algumas performances podem soar um tanto caricatas e até incompreensíveis à primeira vista mas basta imaginar que a teatralidade expressada pelo elenco traz tanta autenticidade à narrativa que pode-se até confundir que alguns diálogos tem o peso de algo escrito por Shakespeare - não por serem pomposos ou elaborados à perfeição mas tamanho o respeito do elenco pelo que está sendo dito. Se tem um filme de 2024 que imprime na telona que o elenco acredita em cada palavra dita como se estivesse de fato acontecendo, este filme é "Nosferatu".

Ainda falando sobre o elenco, há muitos destaques. Os principais são mesmo Lily-Rose Depp (da minissérie "The Idol") e Bill Skarsgård (do recente "O Corvo"). Ela simplesmente "encarna" a perturbação mental como poucas atrizes de sua geração teriam condições de fazer. Sua personagem tem mudanças genuínas de tom. E a filha mais famosa da cantora Vanessa Paradis (e, claro, do ator e músico Johnny Depp) demonstra que é versátil e entende o que seu diretor quer em cena. Já ele tem a difícil missão de trazer a presença do mal de uma forma diferenciada do que fez em "It - A Coisa" - até porque são personagens bem diversos - mas com uma maquiagem ainda mais pesada que a do palhaço alienígena do Maine. Skarsgård atua como se fosse a criatura mais repugnante e irresistível - na pior acepção da palavra.


Mas vale destacar também Willem Dafoe (de "Tipos de Gentileza"), que traz a energia e urgência necessária à segunda metade da história, com ótima presença de cena. Quando aparece, o restante do elenco tem que acompanhar para que não caia o ritmo. Outro destaque vai para Simon McBurney (de "O Pálido Olho Azul"), que interpreta um servo de Conde Orlok - e o faz como um fanático religioso, expressivo, agressivo e... repugnante. O restante do elenco está operante (não atrapalham mas não se destacam também).

A direção de fotografia de Jarin Blaschke (que já trabalhou com Eggers em "O Farol" e "O Homem do Norte") é um absurdo. O que se faz com a iluminação aqui é de um desbunde visual, que fica difícil não dizer que é um fortíssimo candidato em premiações futuras. Falando em termos de artistas de histórias em quadrinhos, é como se Mike Mignola (Hellboy) ensinasse técnicas de luz e sombras para P. Craig Russell (Sandman). E também é interessante como é utilizada a cor púrpura (ou lilás) no início de algumas cenas, como se fosse o símbolo visual de início de um novo capítulo de um livro triste e opressivo.


A trilha sonora original composta por Robin Carolan (também de "O Homem do Norte") é hipnótica e claustrofóbica. Imprime toda a melancolia fúnebre dessa singular trama como dificilmente se vê em produções atuais. Vale falar também do figurino projetado por Linda Muir (de "A Bruxa") e David Schwed (de "Oppenheimer"), com diferenciação sutil entre classes econômicas da época, separando ricos e pobres por detalhes e texturas de tecido - e até pelas cores usadas em cena. E a direção de arte de Robert CowperPaul Ghirardani (ambos também de "O Homem do Norte") igualmente se destaca por conta da impressionante reconstituição de um pequeno vilarejo europeu, além de adereços cênicos bem críveis, como o esquife de Conde Orlok / Nosferatu, por exemplo.

Poderia se dizer que o novo "Nosferatu" é um filme "difícil" de vampiro, levando em conta a audiência acostumada ao ritmo frenético do que se faz em cinema nos dias de hoje. Ou mesmo que é uma complexa analogia do comportamento tóxico dos relacionamentos amorosos que não terminam bem. Ou até mesmo que a trama tem tantos subtextos que vale uma segunda conferida só para prestar mais atenção a cada um deles. Mas o que não se pode negar é que o "Nosferatu" de Robert Eggers é um filme bem próximo da perfeição - o tanto quanto possível. Não é sempre que se vê um clássico nascendo na tela do cinema e, talvez, esse "Nosferatu" já tenha nascido assim...



Kal J. Moon ficou besta que Conde Orlok era um tremendo "comedor de casadas"...

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