Indicado a dois Oscars e dirigido por Gints Zilbalodis, o longa animado "Flow" é a perfeita síntese daquele velho adágio "A união faz a força" - e, talvez, seja o filme com a mensagem mais necessária nessa tão atribulada temporada de premiações...


Microcosmo da sociedade
"Me diziam, todo momento / Fique em casa, não tome vento / Mas é duro ficar na sua", já cantava Lucinha Lins em "História de uma Gata", um grande clássico da música popular brasileira, alertando para o "perigo" da domesticação de felinos, em detrimento de sua natureza "selvagem" e, naturalmente, de sobrevivência natural. E o que vemos em "Flow" é que não somente animais podem raciocinar tanto quanto humanos em situações de emergência como a necessidade pode trazer aliados onde originalmente não existiam...

Na trama, um gato solitário que tem seu lar destruído por uma grande inundação e encontra refúgio num barco habitado por diversas espécies, tendo que se juntar a elas apesar das diferenças. 

O roteiro de Matiss KazaGints Zilbalodis é tão bem amarrado que nem se dá ao trabalho de explicar o que aconteceu com os humanos durante a grande catástrofe que a trama aborda - até porque não há a menor necessidade, uma vez que se trata de uma jornada de sobrevivência e de como conviver em meio a diferentes (e todas as suas diferenças).


"Flow" é, provavelmente, o longa animado mais ~"diferentão" da última década, uma vez que se vale da hercúlea missão de transformar movimentos dos animais em tela o mais próximo do "natural" que seja possível - e tudo sem uma palavra sendo dita pois, ainda por cima, é um filme em que animais não falam (como na vida real). É realmente impressionante ver um gato agindo como um gato - repare no olhar do bichano quando fica instigado por algo... -, assim como os outros bichos.

A direção de Gints Zilbalodis pega o que há de melhor no roteiro e transforma em suspense, humor e até momentos de reflexão, tudo em meio à paisagens inóspitas tomadas por águas furiosas (impossível não se lembrar das inundações que ocorreram no Rio Grande do Sul em 2024). Como dito anteriormente, não dá pra saber se a inundação matou todos os humanos - ou todos os gatos, uma vez que somente o gato protagonista aparece em tela - mas, independente disso, o ritmo adotado por Zilbalodis tem uma boa cadência da calmaria do início até às turbulências causadas pela própria natureza.

O jeito que se conta essa singular história e mostrar que qualquer sociedade - mesmo as do reino animal - tem seus líderes naturais e comandados é um achado (que não é nada novo - estão aí "A Revolução dos Bichos", livro de George Orwell ou "FormiguinhaZ", filme de Eric Darnell e Tim Johnson, que não nos deixam mentir), trazendo esse "frescor" aliado ao tema "familiar". Ver em tela bichos tão diferentes quanto uma capivara, uma garça, um cachorro e um lêmure colaborando entre si pelo simples propósito de sobreviver o máximo de tempo possível é lindo e tão atual na sociedade egoísta que temos atualmente...


O próprio gato tem não somente que se adaptar como perder seus próprios medos como o de estar perante a animais bem maiores que ele (garças e antílopes) ou de predadores naturais (cães) ou, pior, de água. Cada mergulho que esse personagem dá, pelos mais diversos motivos (descuido, curiosidade, necessidade de achar comida) é de trazer uma verdadeira aflição à audiência - o que, por si só, é um probleminha do roteiro, uma vez que gatos conseguem ficar apenas três minutos sem respirar e, vale lembrar, o felino em questão era um animal caseiro, sem qualquer expertise "selvagem".

(e é interessante perceber que nenhum dos animais tem nomes pois, uma vez que retornam à natureza, não há necessidade disso pois são "pobres" porém "livres")


Os outros personagens têm, cada um, uma característica "humana", que acaba trazendo essa inevitável comparação. O gato é medroso mas que precisa não só enfrentar seus medos como, também, conviver. A capivara tem uma sabedoria inata e uma verificação de território para detectar problemas. A garça tem um problema: quer ser líder a qualquer custo mas tem de enfrentar seus pares quando acha que consegue trazer novos elementos a seu bando. O lêmure é preso ao passado e leva consigo o máximo de tralha e bugigangas de sua antiga "casa" - além disso, é egoísta e, não à toa, seu bem mais "precioso" seja um espelho... O cachorro é aquele que aceita estar ali, porém de forma mais relaxada que os demais - exceto quando a urgência se faz presente.

A direção de fotografia traz toda essa gama de cores e aquela vibe meio "Discovery Channel", quase documental mas com um objetivo narrativo bem construído. A trilha sonora instrumental (composta pelo próprio Zilbalodis) evoca todos os elementos necessários nessa narrativa, com algo primordial: traz a ambiência fundamental de se estabelecer sem ser instintivamente percebida.


"Flow" ganhou o prêmio de Melhor Filme de Animação no Golden Globes em 2025 e concorre no Oscar 2025 nas categorias Melhor Longa-Metragem de Animação e Melhor Filme Internacional - esta última, faz mais sentido do que "Emilia Pérez", por exemplo.

É uma coprodução da Letônia, Bélgica e França, tem muito menos dinheiro envolvido do que "Robô Selvagem", "Divertida Mente 2" e "Wallace & Gromit - Avengança", mas entrega algo que falta em animações recentes: personagens com que o público possa se importar (e torcer ou lamentar suas perdas), além de uma mensagem de superação porém totalmente realista a respeito das grandes catástrofes naturais. Se vencerá o cobiçado Oscar, só o tempo dirá. Mas não faltam predicados para tal façanha...


Kal J. Moon achou irônico um longa animado que se passa numa inundação ter sido distribuído no Brasil justamente pela... Mares Filmes.

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