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CRÍTICA [CINEMA] | "Branca de Neve" (2025), por Marlo George

A reimaginação live-action de "Branca de Neve" pela Disney emergiu não como um conto de fadas promissor, mas como um caldeirão de controvérsias que expõem as tensões e hipocrisias latentes na indústria cinematográfica contemporânea. Antes mesmo de vislumbres oficiais do filme, a produção se viu envolta em polêmicas que vão desde debates sobre representação inclusiva até o escrutínio de opiniões políticas de seu elenco principal. Longe de ser uma simples atualização de um clássico, a jornada conturbada desta adaptação levanta questionamentos incômodos sobre a sensibilidade cultural de grandes estúdios, a autenticidade de suas iniciativas de diversidade e o impacto de posicionamentos individuais no zeitgeist midiático. A saga de "Branca de Neve" na pré-produção se revela, portanto, um estudo de caso crítico sobre os desafios e as armadilhas da releitura de obras consagradas sob a lente da modernidade. 

A primeira onda de polêmica irrompeu com as declarações do renomado ator Peter Dinklage. Conhecido por sua atuação em "Game of Thrones", Dinklage criticou veementemente a decisão da Disney de produzir um remake de "Branca de Neve" mantendo a figura dos sete anões. Em suas observações, ele questionou a coerência da empresa em promover a diversidade em outros aspectos da produção, enquanto perpetuava, segundo sua visão, estereótipos prejudiciais a pessoas com nanismo. A manifestação do ator deflagrou um intenso debate sobre a representação de pessoas com nanismo em produções cinematográficas de fantasia, possivelmente forçando a Disney a repensar sua abordagem inicial. 


Em resposta às críticas levantadas por Dinklage, a Disney anunciou uma nova direção para os personagens dos sete anões, com o objetivo de evitar os estereótipos presentes na animação original de 1937. Contudo, o subsequente vazamento de imagens do set de filmagem revelou um elenco diversificado para os companheiros de Branca de Neve, incluindo atores de diferentes etnias e gênero, mas com a presença de apenas uma pessoa com nanismo. Essa escolha dividiu opiniões: enquanto alguns celebraram a tentativa de diversificar a representação, outros lamentaram a ausência de atores com nanismo, argumentando que essa seria uma oportunidade valiosa para oferecer papéis significativos à comunidade. 

Outro foco de controvérsia envolveu a protagonista, Rachel Zegler. Em entrevistas, Zegler compartilhou suas impressões sobre a animação original, sugerindo que o filme de 1937 seria uma obra datada e que a nova versão traria uma perspectiva mais moderna e empoderadora para a personagem de Branca de Neve. Tais comentários geraram reações mistas, com alguns interpretando-os como críticas desnecessárias a um clássico da Disney. Adicionalmente, Zegler se viu envolvida em uma polêmica de cunho político ao expressar publicamente seu apoio à Palestina, em contraposição às manifestações de apoio a Israel feitas por sua colega de elenco, Gal Gadot, que interpreta a Rainha Má. A aparente divergência de opiniões entre as atrizes levantou questionamentos sobre o ambiente nos bastidores da produção e a influência de posicionamentos políticos em projetos cinematográficos de grande escala. A animosidade atrapalhou até mesmo a campanha de divulgação da produção, que teve premières e ativações canceladas ou privativas para convidados da imprensa e da indústria. Uma lástima. 

A escalação de Rachel Zegler, uma atriz de ascendência latina, colombiana, para o papel icônico de Branca de Neve também gerou considerável debate público, com questionamentos sobre sua aparência em relação à descrição tradicional da personagem. Essa discussão se intensificou ao considerar a israelense Gal Gadot, uma atriz de beleza amplamente elogiada, interpretando a Rainha Má. A comparação inevitável entre as duas atrizes em termos de representação visual da "beleza" no conto de fadas adicionou uma camada complexa às controvérsias, com alguns expressando ceticismo sobre a escolha de Zegler para encarnar a protagonista conhecida por sua "pele branca como a neve", enquanto outros defenderam a oportunidade de uma representação mais diversa da personagem. 

Em suma, a tempestuosa pré-produção do live-action de "Branca de Neve" transcendeu a mera adaptação de um conto infantil, erigindo-se como um microcosmo das complexas discussões que permeiam a indústria do entretenimento atual. As controvérsias em torno da representação de pessoas com nanismo, as escolhas de elenco que desafiaram as expectativas visuais clássicas, as declarações revisionistas sobre a obra original e os embates ideológicos entre membros do elenco convergiram para pintar um quadro de um projeto cercado de expectativas e apreensões. 


O resultado das polêmicas é um filme ruim, com muitos problemas de direção e que passou por refilmagens para remendar aquilo que foi determinado no script original com aquilo que era demandado pelo público, pela indústria e pela imprensa especializada. Ecoando a máxima bíblica atribuída a Jesus Cristo em Mateus 6:24 e Lucas 16:13 – "Ninguém pode servir a dois senhores..." – o erro da Disney pode ter sido justamente essa busca infrutífera por agradar a todas as partes envolvidas, uma tarefa notoriamente impossível no complexo cenário cinematográfico. 

Dirigido por Marc Webb, "Branca de Neve" enfrenta o desafio de expandir a concisa narrativa da versão clássica dos Irmãos Grimm para um longa-metragem de uma hora e quarenta e nove minutos. Essa necessidade levou a roteirista a incorporar invenções e elementos de outras interpretações do conto. Um exemplo notável é a criação de Jonathan (Andrew Burnap), um personagem original descrito como "ladrão", um jovem "vitimizado" pelo reinado malévolo da Rainha Má (Gal Gadot), que se volta para o crime como meio de subsistência para si e seu povo. Essa caracterização é, claramente, uma releitura forçada de Robin Hood e uma tentativa de inserir uma agenda progressista, que distancia-se da fonte original.

Outra adição controversa é o bando de Jonathan, autodenominado "Os Sete Ladrões". Essa trupe, com sua natureza exótica e irreverente, guarda semelhanças com "Maria, a Madrasta Má e os Sete Ladrões", um conto folclórico siciliano compilado no livro "Sicilianische Märchen, aus dem Volksmund gesammelt, vol. 1" por Laura Gonzenbach em 1870. Essa narrativa italiana substitui os tradicionais anões por um grupo de malfeitores. Curiosamente, em 2017, este autor realizou a tradução desse conto para o português em seu blog pessoal. Leia neste link.

A Disney nunca confirmou se o conto siciliano serviu de inspiração para o polêmico grupo de salteadores do filme. Dada a reação negativa inicial às imagens vazadas dos "ladrões" durante a produção, uma possível divulgação dessa inspiração poderia ter mitigado parte da insatisfação do público. Caso a equipe de produção desconhecesse a existência de "Maria, a Madrasta Má e os Sete Ladrões", fica aqui registrado que o controverso grupo de personagens possui uma possível fonte primária, levantando questões sobre a pesquisa e as influências por trás desta adaptação. 


O roteiro de "Branca de Neve", assinado por Erin Cressida Wilson, previamente aclamada por seu trabalho em "A Garota no Trem" (2016), demonstra uma escolha questionável ao iniciar a narrativa com uma exposição que, emulando o estilo clássico dos contos de fadas, resume extensivamente a vida pregressa da icônica princesa Disney. Desde o tradicional "Era uma vez...", passando pela descrição de sua infância feliz sob o reinado de seus pais no Reino Encantado, o subsequente luto pela perda materna e a introdução da madrasta, a narração culmina no estabelecimento do conflito central entre as duas protagonistas. Essa abordagem expositiva precoce comprometeu um desenvolvimento mais aprofundado do universo diegético e das nuances dos personagens. Ao precipitar o início da trama principal após apenas dez minutos de projeção, a roteirista viu-se compelida a enriquecer o texto com elementos que destoam da narrativa consagrada pelos irmãos Wilhelm e Jacob Grimm como dissemos acima. 

Apesar das adições narrativas originais e daquelas resultantes das refilmagens, Wilson conseguiu, de forma surpreendente, integrar os diversos elementos da trama. O filme resultante pode apresentar uma história com pouca profundidade, mas, ao contrário das minhas expectativas, não se tornou confuso. Esse desfecho contrasta significativamente com a experiência recente da própria Disney, através do selo Marvel Studios, com o lançamento de "Capitão América: Admirável Mundo Novo" lançado no mês passado. 

Rachel Zegler, como a protagonista, entrega uma Branca de Neve insossa, carente da doçura e da força interior que a personagem tradicionalmente evoca. Sua interpretação parece superficial, sem a profundidade emocional necessária para conectar o público com a jornada da princesa. 

Gal Gadot, no papel da icônica Rainha Má, falha em imprimir a malevolência e o carisma sombrio que a vilã exige. Sua atuação se mostra caricata em alguns momentos e desinteressante em outros, não atingindo o impacto necessário para antagonizar a pureza de Branca de Neve. A ameaça que sua personagem deveria emanar raramente se concretiza na tela. 

Finalizando, Andrew Burnap, como o personagem original Jonathan, surge como uma adição desnecessária e sua performance não convence. O ator não consegue dar vida a um personagem que parece deslocado na narrativa e uma presença que pouco contribui para o desenvolvimento da trama principal, apenas cumprindo o burocrático papel que deveria ter sido do ignorado Príncipe Encantado. Sua atuação é apagada e sem relevância. 


No quesito musical, a única nota positiva reside na voz e na interpretação de Rachel Zegler. Apesar das falhas em sua atuação dramática, sua habilidade vocal se destaca, conferindo beleza e emoção aos números musicais de Branca de Neve. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer de Gal Gadot e Andrew Burnap, cujas performances vocais ficaram aquém do esperado para uma produção musical da Disney, com execuções que soam hesitantes e sem o brilho característico dos musicais da companhia.

Os demais personagens relevantes ganharam vida através das vozes de talentosos atores de voz na versão original. Para o público brasileiro, a versão dublada, cuidadosamente produzida nos estúdios da Media Access Company sob a direção de dublagem de Thiago Longo, contou com um elenco de vozes experientes. Maria Clara Rosis emprestou sua voz a Branca de Neve, enquanto Flávia Saddy dublou os diálogos da Rainha Má, com Sylvia Salustti interpretando suas canções. Rodrigo Garcia foi o responsável pela voz de Jonathan. O resultado final demonstra a qualidade esperada de uma equipe com profissionais renomados da dublagem nacional. 

As canções originais, assinadas pela premiada dupla Benj Pasek e Justin Paul (vencedores de Emmy, Grammy, Oscar e Tony, com créditos em "La La Land", "O Rei do Show" e no remake de "Aladdin"), revelam-se decepcionantes em sua falta de inovação, embora preservem uma execução de estilo clássico. Confesso que havia uma apreensão quanto a uma possível modernização excessiva, com elementos eletrônicos, mas as novas composições, apesar de sua insipidez, harmonizam-se razoavelmente com as canções atemporais da animação original de 1937, estas sim, de inegável qualidade, com música de Frank Churchill e letra de Larry Morey. A trilha sonora incidental, composta por Jeff Morrow, demonstra competência e sensibilidade, um trabalho que, lamentavelmente, merecia um filme de maior estatura artística. 


Os efeitos visuais de "Branca de Neve" apresentam uma inconsistência notável, com alguns momentos funcionando de forma satisfatória. Contudo, o design dos animais e seres fantásticos é o principal ponto fraco, arrastando o espectador para o vale da estranheza devido à execução precária. Os animais encantados, que acompanham a protagonista em sua jornada pela floresta mágica, paradoxalmente exibem um realismo excessivo em contraste com suas expressões faciais exageradamente cartunescas. Os companheiros de Branca de Neve foram concebidos de maneira rudimentar, resultando em um grupo de sete figuras grotescas que causam desconforto visual. Observá-los exige um esforço de tolerância, especialmente no caso de Dunga. O anão mudo, tradicionalmente calvo na animação de 1937, recebeu uma cabeleira que o assemelha de forma perturbadora ao mascote da revista MAD, Alfred E. Newman, desviando-se drasticamente da representação esperada. Embora os cenários virtuais demonstrem qualidade técnica, padecem de um gosto duvidoso, assim como grande parte dos elementos visuais que dependem da direção de arte, maquiagem, cabelo, figurino e cenografia, conferindo ao filme uma estética datada e artificial. 

Marc Webb pode ter se encontrado em uma encruzilhada ao aceitar a direção de um projeto tão complexo e permeado por controvérsias. Contudo, seu maior obstáculo reside na inevitável comparação com a obra-prima original de 1937. Produzida pela talentosa equipe de animação da Walt Disney Pictures utilizando a técnica de rotoscopia – um método de animação que seria posteriormente refinado por Ralph Bakshi nas décadas de 1970 e 1980 –, a "Branca de Neve" clássica possui um ritmo e uma beleza singulares, intrinsecamente ligados ao seu processo de criação. A tentativa de replicar essa estética em CGI acarreta uma alteração nesse ritmo, tornando as cenas análogas às da animação original ligeiramente mais aceleradas, o que inevitavelmente fragmenta a magia e a ternura inerentes à versão animada. Essa questão, somada a uma direção de atores hesitante, um roteiro superficial e um trabalho de efeitos visuais aquém do esperado, culmina em um filme que se revela notavelmente inferior, uma obra diminuta em comparação com a grandiosidade de seu predecessor de 1937.



Marlo George assistiu, escreveu e se negou a citar "Histórias Que Nossas Babás Não Contavam", de 1979, nesta crítica

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