Escrito e dirigido por Esmir Filho, o filme é estrelado por Jesuíta Barbosa, Jullio Reis, Bruno Montaleone, André Dale, Romulo Braga, Hermila Guedes, Mauro Soares, Jeff Lyrio, Carol Abras e Lara Tremoroux (dentre muitos outros), o filme "Homem Com H" vai na contramão da cinebiografia "chapa-branca" e mostra tanto o retumbante sucesso de um ídolo quanto o ocaso da incerteza da carreira artística. O resultado? Bem diferente, assim como o biografado - como não poderia deixar de ser...
É um erro crasso pensar que todo artista, sem exceção, busca a fama em primeiro lugar. Sim, as luzes da ribalta fazem parte da equação mas o principal objetivo de qualquer pessoa que tenha a criatividade pulsando em suas veias é expressar sua visão de mundo a seus confrades e, também, fora de sua vila. E o filme "Homem Com H" não somente acerta em explorar essa faceta de seu objeto de estudo como se transforma quase num estudo antropológico e comportamental em suas pouco mais de duas horas de duração.
A trama acompanha a trajetória do jovem Ney de Souza Pereira e sua transformação no cantor e compositor brasileiro Ney Matogrosso, mostrando os principais fatos de sua vida, suas descobertas (pessoais e profissionais), o sucesso meteórico da banda performática Secos e Molhados em plena ditadura militar, o encontro com o também cantor e compositor Cazuza (1958-1990) e a coragem de partir para a carreira solo - que se tornou muito bem sucedida com o passar dos anos.
Montado em momentos chave da trajetória de Ney enquanto pessoa e profissional, o roteiro traz à baila, de forma sutil e inteligente, cenas fortes e intensas, para pintar um quadro repleto de cores diversas - e nem sempre bonitas de se ver, como as perdas de amigos para a Aids em pleno terror da doença durante os anos 1980 e 1990.
Porém, mesmo um roteiro tão apurado - com supervisão do próprio Ney Matogrosso -, há instantes que carecem de alguma conexão com alguns acontecimentos. O principal exemplo se dá no início da rodagem, em que, na infância, o pai de Ney o sacode após uma surra e insiste que o garoto chore, mas ele se recusa, mesmo que seus irmãos implorem para que ele se dobre perante a violência do genitor.
Quanto a direção do próprio Esmir Filho (do disruptivo curta humorístico viral "Tapa na Pantera", de clipes musicais de cantoras como Céu - que faz uma participação especial no filme - e Marina Lima, além do recente longa "Verlust"), é indiscutível que domina com maestria seu mister. O diretor não somente sabe o que extrair de seu elenco como não deixa ninguém sem importância em cena. Mal comparando, é como um equilibrista circense de pratos que volta para rodar o último quando perde velocidade mas, no final, consegue recuperar todos sem que nenhum deles caia no chão.
O filme, enquanto conjunto, acerta bastante em reproduzir com tamanha fidelidade, qual um fotograma extraído no tempo e no espaço, trechos históricos das apresentações musicais de Ney Matogrosso, como o primeiro clipe no programa "Fantástico" (TV Globo) ou performances inesquecíveis de shows marcantes em sua carreira - e, ainda, um dos raros momentos cômicos da obra em que membros da censura estabelecem a quantidade de movimentação de pélvis do cantor durante futuras apresentações.
E terminar num show - a exemplo de "Tina - A Verdadeira História de Tina Turner" (1993) e "2 Filhos de Francisco: A História de Zezé di Camargo & Luciano" - com o próprio cantor e compositor mostrando que, do alto de suas mais de oito décadas de invejável disposição física e vida, ainda tem muito a entregar enquanto artista, é, ao mesmo tempo, poético e reflexivo, mas, sobretudo, numa atitude bem rock n'roll.
Quanto ao elenco, a maior responsabilidade é, óbvio, de Jesuíta Barbosa (de filmes como "Trash - A Esperança Vem do Lixo" e "O Auto da Boa Mentira", além de diversas minisséries e novelas). Ainda que o ator tenha a voz muito grave para o timbre vocal de Ney Matogrosso, compensa com uma muito bem realizada composição de persona cênica - que, com uma direção desleixada, resvalaria no exagero ou na pantomima. Os momentos mais artísticos do cantor são apresentados como se deve: sem pudores e com muito domínio de palco. Jesuíta entra em cena e, mesmo com momentos menores, a câmera é dele, como uma fagulha que logo vira faísca e se transforma num vulcão - impossível de não se registrar.
Outro destaque é Rômulo Braga (das séries "DNA do Crime" e "Maria e o Cangaço"), interpretando o severo e exigente pai de Ney. O roteiro lhe reserva uma descendente evolução, além de cenas tocantes em que mostra que o exagero com que tratava o filho também era, de certa forma, preocupação com seu futuro - algo que muitos pais da época da ditadura no Brasil viam como algo incerto em se tratando de artistas. E, semelhante ao que foi apresentado em "Ainda Estou Aqui", também não compactuava com os rumos do que ocorria na caserna em relação à repressão na esfera militar do país - algo que até surpreende, diante do histórico do personagem.
Já Jullio Reis (de "S.O.S. - Mulheres ao Mar 2") tem um pouco mais a mostrar ao interpretar o também cantor e compositor Cazuza (1958-1990), com mais cenas e momentos encantadores - e também desconcertantes -, principalmente em um, em que tem de cantar, à capela, a seminal canção "O Tempo Não Pára"...
(E, finalmente, fazendo justiça a Ney Matogrosso e sua participação na vida de Cazuza, uma vez que, finalmente, o grande público pode descobrir que ele foi o diretor e designer de iluminação do show final do amigo - algo que, estranhamente, não foi mostrado no filme "Cazuza - O Tempo Não Pára")
Quanto a quesitos técnicos, o que dizer do impoluto figurino (re)criado por Gabriella Marra (de filmes como "Meu Nome é Gal", "Cidade; Campo" e "O Último Azul"), que beiram não somente a excelência mas mostram como o trabalho de pesquisa realizado pela equipe foi fundamental para o que é apresentado em tela. O mesmo vale para a caracterização e maquiagem supervisionada por Martin Trujillo (da série "1 Contra Todos"), muito fiel ao que era realizada dos anos 1960 a 1990.
"Homem com H" é uma das cinebiografias mais desafiadoras em termos de narrativa - ao lado de, talvez, "Yonlu" - que o cinema brasileiro teve capacidade e coragem de produzir. Porém, por retratar um personagem LGBT, algumas cenas mais "calientes" pode chocar parte do público - e não, isso não é um demérito, uma vez que coaduna com a natureza da persona em questão. Acerta e se estabelece como um dos melhores e mais ousados projetos audiovisuais produzidos no Brasil.
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