Com direção de Mark Mylod, estrelado por  Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult - com participações especiais de nomes como John Leguizamo, Hong Chau, Janet McTeer, Judith Light e grande elenco -, "O Menu" divide opiniões e pode ser considerado o grande esnobado das premiações em 2023...


Microcosmo do entretenimento
Assistir "O Menu" sem saber uma linha da sinopse ou mesmo assistir os vídeos de materiais promocionais é mais ou menos como degustar aquele banquete num lugar chique e requintado: não se sabe o que vai esperar mas a experiência com certeza será ainda mais marcante para quem nunca teve a oportunidade. E o diretor Mark Mylod (de seriados como "Succession" e "Game of Thrones" e filmes esquecíveis como "Qual Seu Número?") tinha plena consciência desse fato quando aceitou o desafio de fazer um dos filmes mais ~"diferentões" de 2022.

Na trama, um casal viaja para uma ilha remota - junto a outros transeuntes - a fim de conhecer o exclusivo restaurante onde um excêntrico chef (para dizer o mínimo) preparou um menu de luxo com algumas surpresas bem chocantes.

Mesmo sem entrar em terreno minado de spoilers, é possível dizer que "O Menu" é um esforçado ensaio do que é considerado entretenimento nos dias de hoje, ainda que, superficialmente, trate apenas do universo culinário com ares de tantos reality shows que vemos por aí - só que com resultados pra lá de extremos. 


O roteiro da dupla Seth Reiss (egresso de programas da TV a cabo norte-americana) & Will Tracy (de seriados como "Succession") lembra bastante o bacana filme brasileiro "O Animal Cordial" - e talvez isso não seja mera coincidência pois a trama bolada pela brasileira Gabriela Amaral Almeida participou de laboratórios de cursos de roteiro no exterior (algo comum em filmes que buscam financiamento de produção), passando na mão de nomes como Quentin Tarantino e Robert Redford, só para ter uma ideia -, na tentativa de criar uma espécie de microcosmo para que sua metáfora sobre o que "consumimos" atualmente em matéria de cultura deveria ser acompanhado de um toque de requinte ou até um pouco mais de esmero no preparo.

Toda a trama - com todos seus exageros e absurdos - gira em torno do que é refinado e o que o público espera consumir. Alguns tem mais conhecimento de causa para avaliar o que está sendo servido pelo chef, outros parecem mais interessados no método de execução do que no produto e ainda tem quem nem entenda do assunto e ache tudo muito esnobe para o próprio gosto. Exatamente como o público atual faz para escolher que tipo de filme vai assistir.

Blockbusters
podem ser comparados àqueles cheeseburgers bem gordurosos, cheirando muito bem, mas com valor nutricional próximo de zero e que viciará o paladar pelo resto da vida quando consideramos isso como algo ~"bem feito" - pode ser delicioso mas "bem feito" quando se trata de culinária tradicional...? E existem aqueles filmes profundos, mais preocupados em apresentar uma narrativa mais artística, cujas histórias podem servir não apenas como entretenimento mas também como boa fonte de reflexão, capazes até de formar caráter - semelhantes a pratos culinários mais elaborados, servidos com toda finesse e que dá até receio de saborear mediante tão bela apresentação. Mas esse último exemplo não estreia toda semana no cinema ou em sua plataforma de streaming favorita, não é mesmo? Pois é...


Ainda sem entregar nenhuma surpresa, há de se convir que a grande estrela do filme - ou o prato principal, se preferir - é mesmo Ralph Fiennes. O veterano ator inglês sempre foi esnobado no Oscar e em diversas premiações - até mesmo por seu esplêndido trabalho em "O Grande Hotel Budapeste", um verdadeiro crime. Dessa vez, nem foi indicado, apesar de entregar uma performance digna de baluartes das artes cênicas, comedido no momento certo, num misto de exuberância e recato como um grande maestro a conduzir uma orquestra ou um líder religioso (ou, ainda, um general junto a seu pequeno exército, que faz até mais sentido), Fiennes entrega algo digno e que vale cada segundo de exibição.

O restante do elenco é esforçado mas faltou pular aquele obstáculo maroto para alcançar Fiennes em sua corrida cênica. Anya Taylor-Joy (do recente "O Homem do Norte") tenta fugir dos estereótipos que cercam sua carreira e entrega uma personagem matreira num belo momento de roteiro no terço final. Porém, nada exatamente fora do comum e até oscila a qualidade de interpretação, mostrando-se um tanto perdida, assim como sua personagem... Já Nicholas Hoult (de "X-Men - Fênix Negra") está bem como algo próximo de (mais) um neófito, se agradando mesmo quando ocorrem momentos que beiram a mais completa falta de lógica - e o roteiro também lhe reserva um ótimo momento para que a audiência acredite em suas motivações. Infelizmente, o também veterano John Leguizamo (do recente "Noite Infeliz") é um óbvio alívio cômico, com algumas boas cenas. E a badalada Hong Chau (de "Pequena Grande Vida" e que está concorrendo a Melhor Atriz Coadjuvante por seu trabalho no elogiado "A Baleia") está apenas funcional, assim como o restante do elenco.


A direção de fotografia comandada por Peter Deming (de trabalhos diversos como "Os Novos Mutantes" e o recente "Casamento Armado") é esperta, luxuosa e emula bem o que é feito em realities shows culinários gourmet, quando necessário. O figurino concebido por Amy Westcott (do recente "O Enfermeiro da Noite", outro filme esnobado) é correto e adequado. A trilha sonora original conduzida por Colin Stetson (de outros filmes ~"diferentões" como o excelente "A Cor que Caiu do Espaço" e superestimado "Hereditário") e harmoniza bem como acompanhamento para o que é servido em tela gradativamente, indo de singelas suítes até chegar a momentos magistrais, como o bizarro final.

Porém, apesar de tantos elogios, o terço final - que é um baita 'deus ex-machina' em determinado momento - precisa de muita suspensão de descrença da audiência para aceitar a proposta da resolução da trama. Sim, se aceitarmos que tudo não passa de uma metáfora sobre o que é fazer cinema de qualidade em tempos de filmes cada vez mais artificiais e "sem sustância", fica bem claro que é como se os roteiristas - e, principalmente, o cineasta - estão literalmente levantando uma placa em protesto ao que é considerado popular em matéria de entretenimento atualmente. E parte do público pode nem sequer "alcançar" a mensagem, se levar tudo ao pé da letra - e, pior, sair da sessão achando que assistiu um filme com um bom início mas com um péssimo final. Culpa do excesso de tempero da trama em diversos momentos, onde pedia-se equilíbrio e parcimônia. Porém, pelo menos peca mais pelo excesso do que pela omissão...


"O Menu" é um filme divisivo mas que, com os anos, pode até tornar-se cultuado e estudado em faculdades. Porém, vale a conferida, nem que seja para provar algo singular, diferente do arroz e feijão (ou do cheeseburger) audiovisual nosso de cada dia. Para quem tem fome de produções únicas, que não se veem constantemente por aí... Assista e tire suas próprias conclusões.




Kal J. Moon cozinha razoavelmente bem e prefere pratos... cheios.


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