A década de 1960 testemunhou uma revolução na música popular, com o surgimento de uma nova geração de artistas que desafiaram as convenções e abriram caminho para novas sonoridades. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, a música se tornou um poderoso instrumento de expressão, refletindo as mudanças sociais e culturais da época.
Bandas como The Beatles, The Rolling Stones e The Animals, com seu rock contagiante e letras irreverentes, conquistaram o público jovem e dominaram as paradas de sucesso. Ao mesmo tempo, artistas como Joan Baez e Bob Dylan trouxeram uma nova profundidade à música folk, com letras poéticas e engajadas que abordavam temas como direitos civis e paz.
A influência desses artistas foi imensa, moldando a música popular das décadas seguintes e inspirando gerações de músicos. Seus álbuns de estreia, marcados por covers e canções originais, são testemunhos de sua genialidade e do impacto duradouro de sua obra.
É na primeira metade desta década mítica que acontece a trama do filme "Um Completo Desconhecido", nova realização de James Mangold, indicada ao Oscar de Melhor Filme.
O filme acompanha a trajetória de Robert Zimmerman, desde seus primeiros passos como músico folk em Nova York, onde conhece o ícone Peter Seeger, até sua ascensão meteórica ao estrelato sob o nome de Bob Dylan. A narrativa explora sua genialidade na composição de letras poéticas e socialmente engajadas, que o consagraram como um dos maiores ícones da música folk. Mas o filme não se limita a retratar o sucesso de Dylan no folk. A obra mergulha na sua inquietação artística e na sua busca por novos horizontes musicais, culminando na sua polêmica decisão de abandonar o violão e adotar a guitarra elétrica. Essa mudança de rumo, que inicialmente chocou seus fãs, marcou uma nova fase na carreira de Dylan, com influências do rock and roll e do blues, consolidando sua posição como um artista inovador e desafiador.
Apesar de retratar um período histórico crucial na trajetória de um ícone da música, em "Um Completo Desconhecido" a introspecção de Dylan é um obstáculo para o desenvolvimento do personagem. O filme se limita a mostrar um homem fechado em si mesmo, sem oferecer insights sobre sua psiquê ou suas angústias. Essa falta de profundidade impede que o público compreenda suas motivações e sentimentos, tornando-o um personagem distante e inatingível. O roteiro, assinado por James Mangold e Jay Cocks, baseado no livro de Elijah Wald, não explora a personalidade de Dylan, deixando uma lacuna na narrativa frustrante e imperdoável.
O roteiro de Mangold e Cocks até ensaia alguns momentos de brilho, com referências à obra de Dylan que certamente agradarão aos fãs, mas a narrativa se arrasta em um ritmo exasperante, com diálogos sonolentos e cenas que parecem não ter fim. O filme se perde em detalhes desnecessários e tomadas intermináveis, que não contribuem para o desenvolvimento da história. O resultado é um filme cansativo e frustrante, que não consegue fazer jus à genialidade de Dylan.
O material promocional de "Um Completo Desconhecido" sugeria um foco na transição de Dylan do folk para o rock, especialmente na incorporação da guitarra elétrica em seu som, a partir do álbum "Highway 61 Revisited" (1965). No entanto, o filme aborda esse período de forma superficial, sem explorar as repercussões e os conflitos que essa mudança de estilo provocou. A decisão de Dylan de eletrificar sua música, quebrando com a tradição folk, é tratada como um mero aborrecimento, sem a devida importância. Essa abordagem superficial deixa de fora um momento crucial na carreira do artista, que gerou debates acalorados e dividiu o público.
Vale lembrar que, no mesmo período, o Brasil vivenciava a "Marcha contra a Guitarra Elétrica", liderada por artistas como Elis Regina e Gilberto Gil, que se opunham à influência da Jovem Guarda e da guitarra elétrica na música brasileira. Essa oposição à guitarra elétrica, presente tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, demonstra a importância daquele momento histórico e a necessidade de o filme ter explorado com mais profundidade a mudança de estilo de Dylan e suas consequências.
Timothée Chalamet se entrega ao papel de Bob Dylan, mas sua atuação, embora esforçada, parece perdida em meio à fragilidade do roteiro. O ator se esforça para expressar as emoções complexas e muitas vezes contraditórias de Dylan, mas o roteiro não oferece o suporte necessário para que o personagem ganhe profundidade. As caras e bocas de Chalamet, que buscam transmitir a introspecção e a genialidade do artista, soam artificiais e cansam o espectador. Em "Um Completo Desconhecido", temos um ator talentoso que luta contra um roteiro que não lhe oferece chances de brilhar.
O roteiro deixa a desejar no desenvolvimento de suas personagens femininas. Monica Barbaro, que interpreta a famosa musicista Joan Baez, é relegada a um papel secundário, sem relevância para a trama principal. Sua personagem serve apenas como um elemento de contraste em relação a Sylvie Russo, interpretada por Elle Fanning, que apesar de ter um arco narrativo mais interessante, com um problema real a ser enfrentado, não tem seu drama explorado de forma satisfatória. O filme perde a oportunidade de criar personagens femininas complexas e multifacetadas, limitando-se a retratá-las de forma superficial e estereotipada.
Edward Norton oferece uma interpretação competente de Pete Seeger em "Um Completo Desconhecido", mas o roteiro limita o alcance de sua atuação. O filme não explora a fundo a relação entre Seeger e Dylan, que apesar de terem compartilhado ideais e paixões em comum no passado, seguiram caminhos distintos na época em que se passa a narrativa. A oportunidade de mostrar o embate entre os dois artistas, que representavam diferentes gerações e visões de mundo, é desperdiçada pelo roteiro, que se concentra em outros aspectos da vida de Dylan. A atuação de Norton, por mais impecável que seja, não é suficiente para suprir a falta de desenvolvimento da relação entre Seeger e Dylan, deixando a sensação de que algo faltou.
Entretanto, devo destacar um aspecto positivo do filme. As performances musicais é, sem dúvida, o ponto alto da produção. É louvável o esforço de Timothée Chalamet, Monica Barbaro e Edward Norton em aprimorar suas habilidades musicais para o filme. A dedicação dos atores em aprender a cantar e tocar os instrumentos utilizados em cena contribui para a autenticidade e a imersão do público na narrativa. As performances musicais não apenas enriquecem a experiência cinematográfica, mas também homenageiam a importância da música na vida de Bob Dylan e na cultura da década de 1960. As cenas em que os atores interpretam canções icônicas de Dylan, como "Blowin' in the Wind" e "Like a Rolling Stone", são emocionantes e memoráveis.
A direção de arte de Christopher J. Morris ("O Irlandês"), a decoração de cenário de Regina Graves ("Blue Jasmine") e o figurino de Arianne Phillips ("Era Uma Vez em... Hollywood") são elementos que se destacam em "Um Completo Desconhecido". O trabalho primoroso da equipe de produção recria com fidelidade a atmosfera da Nova York dos anos 60, desde os clubes de folk e os cafés boêmios até as ruas movimentadas e os edifícios icônicos da cidade. Os figurinos, em particular, são um show à parte, com peças que refletem a moda e os costumes da época, ajudando a transportar o público para o universo de Bob Dylan e da contracultura americana.
A fotografia de de Phedon Papamichael ("Nebraska") é um dos pontos fracos do filme. A escolha por closes excessivos e uma iluminação sem nuances resulta em um trabalho burocrático, que não explora o potencial visual da história e dos cenários. A sensação é de estar assistindo a um telefilme, e não a uma produção cinematográfica. A edição de Andrew Buckland ("Ford Vs. Ferrari") e Scott Morris ("Não Olhe Para Cima"), por sua vez, acerta no uso de tons sépia, que combinam com o período retratado.
A direção de James Mangold em "Um Completo Desconhecido" fica aquém do esperado, especialmente se compararmos com seu trabalho em "Johnny & June". Enquanto o filme sobre Johnny Cash e June Carter era emocionante e profundo, a cinebiografia de Bob Dylan se mostra superficial e sem inspiração. Mangold parece não ter conseguido capturar a complexidade e a genialidade de Dylan, entregando um filme que não faz jus à sua importância para a música. A falta de profundidade na narrativa e a ausência de momentos marcantes comprometem o resultado final, deixando o público com a sensação de que faltou algo.
Marlo George assistiu, escreveu e é um completo desconhecido
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