Quando estreou a primeira temporada da série "The Sandman" - que adaptava o primeiro encadernado de histórias em quadrinhos criadas por Neil Gaiman a partir de uma reimaginação de um personagem da DC -, muito se falou a respeito do quanto o roteiro do produto audiovisual teve de se afastar da quase literatura do texto original para criar algo minimamente palatável para um público mais abrangente.
Nesse caso específico, o resultado é algo híbrido, que bebe diretamente da fonte mas traz novos elementos para "atualizar" o que foi anteriormente registrado em outra mídia. Para o bem ou para o mal, a série conseguiu ampliar seu público-alvo, gerando uma vindoura segunda temporada - que, provavelmente, não seria a última se não tivesse ocorrido o escândalo sexual envolvendo o autor e produtor executivo da série. O mesmo não pode ser dito da segunda temporada de "The Last of Us"...
A trama da segunda temporada mostra as consequências da morte de Joel, enquanto Ellie e Dina buscam vingança em Seattle à procura do paradeiro de Abby e seu bando. Além disso, uma guerra entre as organizações paramilitares WLF, FEDRA e Serafitas está prestes a ocorrer, enquanto novas formas de infectados atacam a cidade pouco a pouco.
O roteiro escrito por Craig Mazin, Neil Druckmann e Halley Gross tenta diluir os acontecimentos do segundo exemplar do game homônimo, dividindo a trama em duas - ou mais, vai saber - partes. Com isso, dá-lhe "encheção de linguiça". Para cada episódio de invasão do Forte de Jackson pelos infectados (num impressionante realismo, beirando batalhas de "Game of Thrones"), faz-se "necessário" episódios inteiros de conversa fiada sobre amor, relacionamento, futuro da humanidade etc. Só para ter uma "temporada completa" (com menos episódios) com um gancho para a tal terceira temporada (já confirmada antes mesmo do início da segunda).
Com isso, o maior problema da segunda temporada fica muito evidente: os talentos interpretativos da atriz Bella Ramsey. Se na primeira temporada ela agia e reagia como uma adolescente descobrindo um mundo novo, cheio de perigos... Na segunda temporada, mesmo se passando cinco anos depois, continua tomando atitudes de uma adolescente birrenta. Isso é, sim, culpa da atriz mas, também, dos roteiristas e da direção, que não souberam guiar adequadamente como personagens de vinte anos de idade se portam.
Porém, na primeira temporada, tínhamos o carisma impecável de Pedro Pascal, um homem cheio de problemas a serem resolvidos e ainda com uma missão ingrata e perigosa pela frente. Quando se retira o personagem de cena cedo demais (no segundo episódio!), nota-se que, talvez, o empecilho principal tenha a ver com fatores externos envolvendo o caro orçamento do programa, o fato de Pascal ter que estrelar o filme "Quarteto Fantástico - Primeiros Passos" (lê-se "filme da concorrente Disney") e, quem sabe, um novo exemplar do game a caminho entre 2026 e 2027. E tentar substituir um dos melhores atores de sua geração por uma atriz irregular e outra proeminente mas com um texto que não esteja nem à altura de seus (esparsos) talentos é pedir para ser esculachado. Mas, como diz o slogan da segunda temporada, "toda escolha tem seu preço"...
Entenda: não quer dizer que a atriz teria espaço para mudar parte do roteiro - isso não é responsabilidade dela e nem de ninguém do elenco, uma vez que "ator é gado" - mas, sim, discutir alguns detalhes que poderiam dar a entender que a personagem não estava tão feliz quando diz estar. Um olhar, um sorriso amarelo ou qualquer outro detalhe que não passaria desapercebido o verdadeiro estado de espírito da personagem. Era o mínimo a ser feito com um texto tão pobre na maioria dos episódios. Tanto é verdade que, quando o texto segue mais de perto o que já estava estabelecido no game original - e também quando está ao lado de Pascal -, a atriz consegue alcançar algo digno de nota.
E o que dizer do último episódio da segunda temporada? Bem, há muito mais substância e subtexto do que, talvez, a grande maioria dos episódios da temporada inteira. Ver personagens que mal tiveram um aproveitamento dramático nos games ganhando voz e vez aqui traz um pouco de satisfação após tanto vai-e-vem narrativo. O final é polêmico justamente para deixar o gancho "perfeito" para a já citada terceira temporada, em que a audiência verá os acontecimentos pelo prisma de outra personagem - como, aliás, deveria ter sido desde o começo...
Young Mazino (da série "Treta") também traz algo interessante para seu personagem, mostrando que existe urgência e coisas mais importantes do que romance e desejo de vingança. Quando aparece em cena, a narrativa cresce com sua performance. Kaitlyn Dever (do recente filme "Ninguém Vai Te Salvar" e da minissérie "Vinagre de Maçã") também entrega uma boa performance como a antagonista da temporada - mesmo que não pareça fisicamente com a personagem e tendo pouquíssimo tempo de tela.
Apesar de bastante esmero da parte de design de produção, existem alguns erros que comprometem a suspensão de descrença como a personagem de Bella Ramsey encontrar violões expostos ao ar livre num teatro trancado sem sequer estarem empoeirados, por exemplos. Tem outros mas este foi um dos mais gritantes.
Mas, assim como existe uma diferença gritante entre o cambalear de alguém embriagado e o proposital desequilíbrio de um acrobata profissional, o resultado fica aquém do esperado, principalmente quando se tenta atingir um público que não se importa e nunca perderá seu tempo assistindo esse programa. Talvez seja a hora do público cativo fazer o mesmo...
Kal J. Moon curte a banda norueguesa a-ha e ainda acha que, com o mesmo roteiro e alguns ajustes, poderia se contar uma boa história...
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