Dirigido por Daniel Espinosa e estrelado por Jared Leto, "Morbius" é a nova aposta para o "Aranhaverso" da Sony Pictures com personagens da Marvel Comics. Mas é bem mais do que "apenas" isso...


Para os símplices de coração
Lembra quando íamos ao cinema para assistir um filme de ação ou aventura e escolhíamos, por exemplo, "Blade - O Caçador de Vampiros" por conta da namorada não saber que era baseado num obscuro personagem de história em quadrinhos mas, mesmo assim, ela iria gostar por conta do filme ser bacana mesmo para quem não sabia quem eram os criadores daquele gibi? Pois é. "Morbius" é ESSE tipo de filme.

Na trama, o médico / cientista / bioquímico Michael Morbius (Leto) tenta encontrar a cura de uma doença rara no sangue que ele e um grande amigo possuem, mas, aos poucos, sua descoberta revela-se uma grave  infecção de uma nova forma de vampirismo, que lhe confere poderes fenomenais porém o leva a perder o controle sobre usas ações, chamando a atenção da imprensa e da polícia. 

Assistir "Morbius" com a mais baixa das expectativas pode ser bem proveitoso ao espectador mais cético pois poderá aproveitar tudo o que o filme tem de bom e ainda descobrir que se pode contar uma história razoavelmente okay utilizando a já combalida cartilha da chamada "jornada do herói". "Morbius" é um filme bem simples em sua essência e não tem nada de errado com isso. Todos os elementos da já citada "jornada do herói" está no filme como o mentor que dá conselhos ao herói relutante, o interesse amoroso com alguma tensão mas que faça diferença à trama, um vilão que é semelhante ao herói mas enxerga o funcionamento daquele mundo pelo lado oposto do espectro, um conflito de interesses que pode colocar em risco muitas vidas dependendo de que lado vença - porque, como bem nos ensinou o slogan de "Um Drink no Inferno", se esse é o herói, imagine os vilões...


Mas "Morbius" é um filme que calhou de "nascer" do lado "errado" da ~"nerdosfera" e, por conta disso, parecer ser destinado a ser odiado mesmo sem ter sido assistido só "porque sim". Há um movimento bem esquematizado de menosprezar e subjugar filmes que não sejam produzidos pela Marvel Studios e os exemplos mais veementes são "Quarteto Fantástico" e "Batman V Superman" justamente por se voltarem a um formato que não é o que o grande público já está acostumado pelo que costumeiramente entrega o estúdio bancado pelo rato mais poderoso do planeta. E vale falar mal mesmo sem ter chegado perto de uma tela de cinema porque agora "o padrão está mais alto e filmes assim não tem como ser tolerados".

Porém, mesmo com a crítica especializada - e um monte de imbecis com um verdadeiro exército de seguidores compostos por uma audiência cada vez mais inflada pela grana que pagam para enganar agências de publicidade lideradas por gente mais imbecil ainda que não sabe ler direito um gráfico de métricas e reparar que grande parte dos tais números são gerados por bots e afins - descendo a lenha, "Morbius" está alcançando seu público, o mesmo que curtiu "Venom" (que independente de ser "bom" ou "ruim", é, pelo menos, diferente do que tem sido feito por aí em matéria de "super-filmes"), que compareceu em massa para ver "Venom - Tempo de Carnificina" e que provavelmente estará na fila para conferir os vindouros "Kraven" e... "Sexteto Sinistro".

Lembra quando falei que "Morbius" é um filme simples? Pois é. Isso foi muito planejado. A intenção da Sony Pictures, há muito tempo, era de fazer o tal filme do "Sexteto Sinistro", super-grupo de vilões do Homem-Aranha e que deveria ser feito logo após "O Espetacular Homem-Aranha 2 - A Ameaça do Electro" e antes do terceiro filme estrelado por Andrew Garfield. Mas esse projeto precisou ser engavetado por conta de divergências entre o ator e o estúdio, além do evento desastroso que acabou ficando conhecido como "Sony Hack" - vazaram e-mails com os vindouros projetos da Sony, além de comentários bem preconceituosos de gente poderosa da empresa sobre alguns astros e colaboradores constantes.


E seguindo de muito perto a estratégia da Marvel Studios de lançar um filme de cada herói antes de fazer aquele que reuniria todos eles, a ideia é de trazer ao público as motivações de cada um desses "vilões" (ou seres desafortunados) para que quando fizerem "Sexteto Sinistro" o público já esteja familiarizado com aquelas personas. E dentro dessa equação, "Morbius" funciona mais ou menos como algo mais correto assim como o primeiro filme do Capitão América.

As índoles mais altruístas do personagem batem de frente às suas próprias necessidades (quer algo mais "jornada do herói" que isso?) e o roteiro da dupla Matt Sazama & Burk Sharpless (ambos do recente "Power Rangers") explora isso de forma satisfatória, uma vez que o público "neófito" precisa "comprar" a ideia de alguém que não é mau por que quer mas sim porque não tem controle sobre sua "maldição". O roteiro ainda faz diversas homenagens ao mito dos vampiros na literatura e no cinema (o nome do navio onde ocorre a primeira cena de ação é um claríssimo laurear à memória de F.W. Murnau, cineasta que realizou "Nosferatu", considerado o primeiro filme a explorar os vampiros em tela grande em 1922), que dão aquela piscadela e mostram que um mínimo de pesquisa foi feita em relação ao tema.

A direção de Daniel Espinosa também é funcional, com um filme com eficientes cenas de ação - nada mirabolantes ou que vão reinventar a roda -, além de explorar bem a química entre os atores, principalmente Leto e Matt Smith. A amizade de ambos os personagens é bem crível e seus pontos de vista opostos fazem sentido dentro da trama. Ainda sobre as cenas de ação, temos diversas homenagens a outros cineastas como Christopher Nolan (uma delas é literalmente retirada de "Batman Begins" - até a trilha sonora de Jon Ekstrand lembra bastante o que James Newton Howard e Hans Zimmer compuseram naquele filme), as irmãs Wachowski ou até mesmo Zack Snyder. Lembra quando os filmes de vinte ou trinta anos atrás tinham cenas que o protagonista terminava a ação numa pose com muita "banca" (Super-hero landing? "Blade - O Caçador de Vampiros" INVENTOU isso lá em 1998...)? Então, "Morbius" trouxe isso de volta. Além disso, temos todo um bem-vindo clima de terror e suspense que permeia o projeto até metade da exibição (repare na cena que se passa num corredor de um hospital).

A direção de fotografia de Oliver Wood, nesse sentido, transforma grande parte do que vemos na telona em algo muito próximo do que se é apreciado numa história em quadrinhos, com alguns ângulos mais ousados e menos "certinhos", com câmeras girando emulando uma narrativa circular bem interessante durante algumas cenas de ação.


E a prótese / maquiagem criada por Tamsin Dorling Barbosa, Robb Crafer, Suzi Battersby e Nadia Becker funciona muito bem nos momentos de transformação dos personagens como uma boa adaptação do visual criado nos quadrinhos por Roy Thomas e Gil Kane em 1971 para um personagem que era apenas um vilão do Homem-Aranha.

Porém, nem tudo são flores. Da metade para o final, o filme perde um pouco de seu fôlego, desperdiçando tempo com desnecessárias inserções de piadocas (visuais e textuais), além de diálogos de cunho bem duvidoso (uma bem específica mais parece que um personagem está se justificando por "sair do armário" do que se explicando por seus atos de maldade - se isso foi intencional, é de um tremendo mal gosto pois não é mais tolerável debochar desse tipo de situação). E tem a cena da dancinha que podemos chamar de "momento moleque-piranha" (você vai saber quando assistir), completamente desnecessária, ainda que converse com boa parte do público masculino de de classe média alta...

O elenco é esforçado e o destaque vai mesmo à dupla Leto / Smith. Já a dupla de policiais interpretada por Tyrese Gibson e Al Madrigal tentam parecer uma mistura de "Máquina Mortífera" com "Arquivo X" mas fazem parte de alguns momentos bem constrangedores. Adria Arjona não compromete como interesse romântico e Jared Harris é um bom mentor - mesmo que já se saiba o que acontecerá com o personagem desde o começo da exibição, ele desempenha bem o papel, ainda que não tenha tanto destaque assim...


A impressão que se tem é que houve algum tipo de influência externa para que se mudasse parte do tom do filme da metade para o final para que o espectador não tivesse dúvida de que "Morbius" é um filme de super-herói, sim, mas que brinca com alguns temas que não vemos muito por aí, Daí, exacerbar o altruísmo do herói talvez seja suficiente para que se esqueça que o mesmo foi numa expedição não-autorizada para colher amostras de DNA de animais silvestres (e ainda oferecendo suborno por isso), ou mesmo matando a sangre-frio a quaisquer pessoas que lhe oferecessem algum tipo de ameaça e, ainda (numa cena que remete à clássica graphic novel "Watchmen") quando incapacita alguém somente para utilizar a tecnologia que estava no local de forma completamente ilegal.

O grande pecado de "Morbius" é ser apenas a mais simples das engrenagens que formam a iniciativa para um projeto ainda maior. Esqueça essa gente que está num pedestal, leve sua namorada para assistir e curta um filme que pode até não ser grandioso mas que entretém na medida do possível, sem maiores pretensões. "Morbius" é feito para os símplices de coração e, não, não é essa ruindade toda que estão praguejando por aí. Assista e tire suas próprias conclusões...




Kal J. Moon raramente é visto vagando pelas ruas, exceto duas vezes por mês - para pagar contas e reabastecer a dispensa. Será que...?

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