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CRÍTICA [CINEMA] | "The Flash", por Kal J. Moon

Dirigido por Andy Muschietti, estrelado por Ezra Miller, Sasha Calle, Michael Shannon, Ron Livingston, Maribel Verdú, Kiersey Clemons, Antje Traue - com participações especiais de Michael Keaton e Ben Affleck, dentre outros - "The Flash" traz o fim do mundo, tudo de novo, ao mesmo tempo, mas agora, que, na verdade, foi ontem e amanhã, talvez depois... Peraí, o quê...?!


Momentâneo lapso da razão
"Uma História em Quadrinhos nasce da necessidade de uma pessoa - o autor - de comunicar pra outra - o leitor - a sua visão de mundo. Os personagens não carregam a história em espaços vazios. Quanto mais nos aprofundamos na narrativa, mais elaborado o nosso mundo se torna. Nós temos que construir os cenários que irão mostrar o caminho da história."

O parágrafo acima - um breve excerto de "Ateliê" (revista independente experimental de história em quadrinhos de autoria dos brasileiros Gabriel Bá e Fábio Moon) - é uma boa definição do que é e como "funciona" a leitura de um gibi. E embora cinema possa ser considerada uma ~"arte-irmã" da assim chamada "nona arte",  existe uma diferença básica entre suas concepções e também entre suas realizações.

Quadrinhos precisam de poucos profissionais envolvidos para que possam existir. Tudo começa pelo roteiro, passando pela arte, cor, balões de texto e impressão. Já o cinema, embora igualmente comece pelo roteiro, o fluxo seguinte é captação de recursos para contratação de elenco, diretor e diversos outros profissionais, por menor e mais modesta que seja a produção daquela obra audiovisual. E talvez, por conta desses fatores, cinema leva desvantagem em relação aos quadrinhos quando tenta adaptar qualquer obra da nona arte. A quantidade de envolvidos nessa tranposição pode levar tudo a perder por conta justamente da... enorme quantidade de envolvidos. E a bola da vez no quesito adaptação é esse filme "estranho" chamado "The Flash"...


Na trama, Barry Allen / The Flash usa seus superpoderes para viajar no tempo e mudar os eventos do passado, a fim de evitar que sua mãe seja assinada (e, consequentemente, seu pai seja preso injustamente) como circunstâncias de eventos misteriosos. Porém, quando retorna ao presente, encontra não somente sua mãe viva e bem (além de seu pai fora da prisão) mas também uma versão mais jovem de si mesmo, que precisa ganhar seus poderes para que ele próprio possa existir. Após circunstâncias desastrosas, precisa da ajuda de um Batman bem diferente para impedir que o kryptoniano conhecido como General Zod cause um assassinato em massa. A única chance deles é encontrar o Superman - ou a versão do Homem de Aço desse universo - antes que seja tarde demais...

O roteiro de Christina Hodson (do okay "Bumblebee" e do odioso "Aves de Rapina - Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa" - é uma azarada, só se mete em projeto problemático...) - que teve concepção de história de Joby Harold (do bacana "Army of the Dead" e do recente "Transformers: O Despertar das Feras") e mais algumas pessoas ao longo de quase dez anos desde o anúncio do projeto até o sinal verde da produção - é livremente baseado no arco dos quadrinhos da DC Comics chamado "Ponto de Ignição" (com roteiro de Geoff Johns e arte de Andy Kubert, que teve uma animação bem legal - clique AQUI e assista nosso vídeo especial) e só prova que esses dois profissionais se saíram melhor em filmes com menos interferência na produção e mais espaço para que a criatividade desse o melhor caminho à história. E "The Flash" pode até ser um filme "okay" - talvez o pior insulto que uma obra possa receber - mas está longe de ser um filme minimamente bom. É, na verdade, um filme bem estranho, que mira uma audiência mais jovem mas traz referências para pessoas acima dos 40 anos de idade.

"Ah, mas tem que dar um desconto pois esse filme teve diversos problemas de produção e...", pode dizer algum incauto que só assistiu filmes de super-heróis nos últimos quinze anos e acha que entende bastante no tocante à sétima arte. Cinema não é a arte do "desconto". Cinema é a arte da escolha. E "The Flash" apresenta péssimas escolhas. A começar pelo roteiro, que força as relações de personagens sem ao menos apresentá-los corretamente - tornando-os meramente descartáveis ao longo da trama -, só para dizer que Barry tem pessoas a seu redor mas não tem muita interação social por conta de seu trauma de infância.


O maior exemplo disso são os personagens Patty, Albert e Iris West (interpretados por Saoirse-Monica Jackson, Rudy MancusoKiersey Clemons, respectivamente). Os dois primeiros são os descolados e "prafrentex" colegas de trabalho de Barry mas, na verdade, são meros instrumentos de exposição barata para dizerem, a todo momento, que herói não tem amigos, nem mesmo no trabalho - e da forma mais escrota possível (sério, se você, poltronauta, tivesse colegas de trabalho como eles, provavelmente só diria "bom dia" por questão de educação  - e olhe lá). Já Iris West - aka interesse romântico de Barry - tem talvez as piores falas e o pior desenvolvimento de personagem do filme, uma vez que o roteiro não parece saber o que fazer com ela, pois está aparentemente interessada nele, mas também é uma repórter investigativa e Barry a trata, em todas as suas interações - exceto no fim da trama - como se ela nem estivesse lá. Clemons até se esforça pra trazer alguma dignidade às suas (poucas) cenas mas o esforço é tão grande que o melhor mesmo é quando suas cenas se vão.

No tocante ao restante da trama, há uma tentativa impressionantemente negativa de fazer com que essa história seja contada com a maior quantidade de piadas (visuais, textuais, sonoras) a cada cinco minutos. Sabe quando um bebê está sentindo dor de ouvido e o adulto tenta distraí-lo com algo como um penduricalho no berço ou aproximando sua cabeça próximo ao seu próprio coração para que esqueça a dor por alguns instantes? Mais ou menos desse jeito. Umas três vezes, esse estratagema funciona - mas não no restante do tempo... A qualidade da história que está sendo contada oscila bastante, em grande parte por conta desses fatores. "Ain, mas é um filme bem divertido e..." (definitivamente, o conceito de "diversão" deve ter sido modificado pela Convenção de Genebra e esqueceram de avisar...)

(porém a piada - recorrente - sobre "De Volta para o Futuro" é bem interessante, mas só será entendida para quem sabe dos bastidores da produção daquele filme)


O elenco está correto na maior parte da exibição. O destaque óbvio é, claro, Ezra Miller como duas versões do personagem - mas isso é o mínimo que poderia oferecer, uma vez que protagoniza o filme. Porém, a versão mais jovem de Barry lembra bastante - em matéria de composição - o que Keanu Reeves fez em na trilogia "Bill & Ted" (é como se o "nosso" Barry fosse uma versão mais dramática do Sheldon de "The Big Bang Theory" e seu duplo fosse Ted 'Theodore' Logan... E pra quem se questiona por conta dos problemas que Miller teve nos últimos tempos, bem, o roteiro até reserva uma (infame) piada sobre saúde mental proferida pelo Flash, o que é, no mínimo, irônico tipo "sabemos o que aconteceu mas vamos em frente...".

Michael Keaton está bem como Bruce Wayne / Batman e seu personagem tem, provavelmente, a melhor fala da trama, onde explica - de forma simples, sintética e alegórica - porque viagens no tempo geralmente acabam mal. Já a Supergirl de Sasha Calle é bacana e funcional, mas aparece bem pouco e é, infelizmente, uma personagem bem dispensável, assim como o General Zod de Michael Shannon. O que dizer da Faora-UI interpretada por Antje Traue, que nem tem fala...?

Mas o surpreendente destaque do filme, sem sombra de dúvida, é Maribel Verdú (do ótimo "O Labirinto do Fauno") como Nora Allen, mãe de Barry. As duas maiores interações dela com Ezra Miller podem levar a audiência às lágrimas, de alegria e de sofrimento por conta do destino da personagem - sim, com todas as concessões que este filme tomou, o diretor Andy Muschietti colocou a mãe do protagonista como uma mulher latino-americana, mandando um belo f0d@-s& a quem acha que não pode se modificar etnias de personagens em filmes baseados em quadrinhos (e essa escalação foi, talvez, seu maior acerto no elenco coadjuvante).


Falando em Muschietti, aqui com um escopo bem maior do que o modesto (porém soberbo) "Mama" e até mesmo os dois filmes baseados no livro "It - A Coisa", o diretor argentino entrega, de longe, seu pior trabalho. Escolher trabalhar com CGI de qualidade duvidosa - pra dizer o mínimo - e entregar algo que visivelmente não estava nem perto de ser considerado minimamente "pronto" talvez tenha sido sua mais questionável decisão. A grande maioria das cenas que envolvem algum elemento fantástico tem problemas de construção. Visualmente falando, são bem "feias", mal elaboradas e que precisariam de uma revisão mais apurada para estarem perto de serem apresentadas ao grande público.

Até porque, na tela do cinema, tudo fica gigante - principalmente os erros. Mas, independente disso, "The Flash" tem ritmo claudicante, como um carro velho com uma ou outra peça trocada, que pega no tranco de vez em quando mas te leva ao local que se quer chegar - porém a viagem será sofrida e preocupante (além disso, a qualquer momento este arremedo de veículo pode deixar os passageiros "na mão" por não ser nem um pouco confiável)...

(a primeira "grande" cena de salvamento do filme envolvendo o Flash é de dar vergonha alheia a qualquer profissional que trabalhe com CGI e traz ao público a ideia de que se trata de uma gigante imagem gerada por computador - onde dá pra se ver, claramente, que se trata de algo parecido com "bonecos digitais")

Porém, em sua defesa, as cenas de ação envolvendo o Batman interpretado por Ben Affleck são visualmente bem interessantes e provavelmente serviram de teste para que fosse contratado como diretor do vindouro filme "Batman - The Brave and The Bold", que faz parte do novo DCU comandado por James Gunn e Peter Safran... Além disso, a química entre Miller, Affleck, Keaton e Calle realmente funcionam, mesmo com este roteiro canhestro. 


ATENÇÃO: Os parágrafos a seguir contêm inúmeros spoilers que podem comprometer a experiência de quem ainda pretende assistir o filme. Portanto, se não quiser saber de detalhes importantes da trama, pule para o parágrafo final dessa crítica. Mas se estiver se sentindo com sorte, basta selecionar os parágrafos abaixo com o mouse para ler o restante do texto...

INÍCIO DA ÁREA DE SPOILER

A principal solução do roteiro para que Flash conserte as coisas e deixe sua mãe ser assassinada é investir na obsessão do personagem - e em sua versão mais jovem - para, ao final, fazer com que sua versão mais jovem se sacrifique, morrendo nas mãos do verdadeiro vilão (uma versão sombria e obsessiva de si mesmo) a fim de permitir que a versão mais madura sobreviva e tenha condições de voltar para sua realidade. Ao fazer isso, o real vilão desaparece e essa versão mais nova morre... Mas, "nosso" Barry não deveria morrer também no processo? O roteiro estabelece uma regra e a revoga logo em seguida?!

(Além disso, quem diabos assassinou Nora Allen, a mãe de Barry / Flash e porque isso não tem a devida importância no roteiro?!)

(Ainda sobre CGI de péssima qualidade, a movimentação do Flash quando mostrado correndo com o traje em câmera lenta parece aqueles games antigos, onde o personagem se movimenta num "canto cego" e, por isso, anda mas não sai do lugar)

O filme tem diversas participações especiais. Gal Gadot retorna brevemente no início como Mulher-Maravilha para ajudar durante uma missão com o Batman de Ben Affleck, compartilhando uma das poucas piadas que funcionam - mais uma vez, envolvendo o laço da verdade (muito parecida com o que foi feito em "Liga da Justiça", com direção de Joss Whedon). Jeremy Irons retorna brevemente como Alfred, mordomo e "rapaz da cadeira" de Bruce Wayne / BatmanTemuera Morrison também aparece numa cena como Tom Curry, pai adotivo do Aquaman



Diversos astros e estrelas que foram protagonistas de filmes ou seriados baseados em personagens DC reaparecem em versão geradas por CGI (alguns funcionam, outros estão razoavelmente okay) que vão desde George Reeves (o primeiro Superman da TV), Adam West (o Batman dos anos 1960), Christopher Reeve (até hoje, o mais celebrado Superman do cinema), Helen Slater (estrela do medonho - mas canônico - filme "Supergirl"), John Wesley Shipp (o Flash da série de TV dos anos 1990), até, claro, de Nicholas Cage (rejuvenescido digitalmente) como Superman (pra quem não sabe, Cage estrelaria um filme do Superman dirigido por Tim Burton e escrito por Kevin Smith mas o projeto não foi adiante).

E não, as participações não param por aí pois o próprio diretor Andy Muschietti também aparece como um repórter que interage rapidamente com Barry - a cena é bacana. E, ao final da trama, com tudo aparentemente resolvido, nosso herói descobre que o Bruce Wayne / Batman daquela realidade para a qual voltou é interpretado por ninguém menos que... George Clooney

(Sabe aquela piada que as pessoas costumam dizer sobre "De Volta para o Futuro" que reza que Marty McFly nunca voltou pra casa, uma vez que alterou o passado e a realidade que ele conhecia mudou completamente? O mesmo acontece aqui...)

Jason Momoa também retorna como Aquaman- quer dizer, mais ou menos - na única (e lamentável) cena pós-créditos, que mais complica do que ajuda, onde não passa de um beberrão no universo onde Barry foi parar (e o já anunciado segundo filme do Aquaman deve mesmo ser o último com o personagem, independendo da bilheteria). E não, Grant Gustin (o Flash da série mais recente do Velocista Escarlate e que ajudou, por quase dez anos, a popularizar o personagem) não aparece em nenhuma cena... Lamentável.


FIM DA ÁREA DE SPOILER

"The Flash" se promove como suposta "tábua de salvação" para o universo cinematográfico dos personagens da DC mas na verdade é um filme bem questionável, com diversos problemas de construção e elaboração de roteiro, porém com alguns (poucos) momentos realmente emocionantes e bem realizados. Pode agradar a quem procura uma "diversão" frívola, ainda que bem descartável. É mais ou menos como a tentativa de um restaurante fast-food de fazer um hambúrguer gourmet, onde o molho é até gostoso mas a carne não tem gosto de nada...

Mesmo com alguns acertos, infelizmente "The Flash" é um filme bem esquecível - talvez a grande decepção de 2023 - para um personagem que merecia figurar entre o panteão das melhores adaptações baseadas em gibis. É o fim desse universo, tudo de novo...



Kal J. Moon não tem muita interação social, prefere estar sozinho na maior parte do tempo e entende bastante acerca do que realmente sabe fazer: reclamar. Ele é conhecido como... Dom Casmurro. (Droga!)

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