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CRÍTICA [CINEMA] | A Mulher no Jardim", por Kal J. Moon

Dirigido por Jaume Collet-Serra, estrelado por Danielle Deadwyler, Okwui Okpokwasili, Russell Hornsby, Peyton Jackson e Estella Kahiha, "A Mulher no Jardim" é o perfeito exemplo de que uma boa história de terror não precisa de muito para assustar. Basta, simplesmente, se voltar para o mais humano dos sentimentos...


O sótão das más ideações
O ser humano é um animal gregário por natureza, que não sabe ficar sozinho e prefere a companhia de outrem para realizar tarefas ou conviver do que, simplesmente, existir à margem das convenções sociais. E quando uma perda abrupta acontece - o inevitável fim da existência de um ente querido -, nosso cérebro precisa se adaptar à falta daquilo que significava um preenchimento à rotina diária. A forma como se lida com esses novos sentimentos é a tônica central de "A Mulher no Jardim".

Na trama, uma misteriosa mulher vestida com um véu preto aparece repetidamente no jardim da frente da casa de uma família, dizendo mensagens perturbadoras e deixando os residentes questionando sua identidade, motivação e o potencial perigo que pode representar.


Tirando o elefante branco da sala: "A Mulher no Jardim" não é um filme de terror convencional, com um monstro assustador perseguindo os personagens mas, sim, uma elaborada trama sobre... depressão. A família retratada na história sofreu uma perda recente - o patriarca faleceu num violento acidente de carro -, deixando-a desolada, tendo que sobreviver não apenas à sua ausência mas também às intempéries que os mortos deixam para os vivos quando se vão como contas para pagar, reformas a serem feitas e, o sentimento de impotência diante da falta de uma pessoa que resolvia tudo.

O que o roteiro original escrito por Sam Stefanak (de séries como "Tudo Junto Misturado" e "F Is For Family", em sua estreia no cinema) propõe é um estudo abrangente porém mais fácil de entender sobre o que acontece a uma pessoa sofrendo de depressão, mas sem cair em armadilhas narrativas e humanizando cada ação em cena com o auxílio do elemento fantástico (ou fantasmagórico) para que a trama siga adiante, primeiro causando estranheza e curiosidade e, aos poucos, adicionando peças-chave para a montagem do "quebra-cabeças" final - basicamente, é como se alguém contasse uma parábola sobre o que significa passar por um período de depressão mas sem tirar conclusões apressadas ou julgamentos. É minucioso mas não despreza o entretenimento puro e simples.


O roteiro adiciona diversos elementos simbólicos para ajudar a compor a narrativa, algumas mais comuns como animais pressentirem a presença do mal, outras mais elaboradas como o espelho - em algumas cenas, para mostrar como a protagonista enxerga a si própria ou a própria memória -, a maldita e pesada cadeira de jardim em que a entidade se instala - um símbolo claro de que a depressão se aloja pacientemente nos pensamentos das pessoas e é algo que demanda algum esforço para lidar -, além, claro, do pinguim de pelúcia - que desempenha um papel importante no terço final e é considerado, na vida real, um animal fiel a seu companheiro, com macho e fêmea se revezando na vigília de seus ovos.

Atrelado a isso, há também a grafia "errada" da letra "R", aparecendo em diferentes cenas escrita ao contrário - e isso tem a ver com a forma como as pessoas contam suas próprias histórias, se reverberando no desenlace da trama...

A direção de Jaume Collet-Serra (de "A Órfã" e o recente "Bagagem de Risco") é precisa, extraindo de seu diminuto elenco o necessário para entregar uma boa performance. Talvez por conta disso mesmo, não há nenhuma atuação ruim ou mediana pois todo mundo em cena está comprometido com o resultado. 


Os maiores destaques são, claro, Danielle Deadwyler (de "Vingança & Castigo" e do recente "Piano de Família") - que interpreta com bastante acuidade e reações bem distintas, trazendo um impressionante realismo à sua personagem, nas diversas fases de depressão - e Okwui Okpokwasili (da série Marvel "Agatha Desde Sempre"), que dá um ar quase teatral à figura fantástica que sua personagem representa. Porém, o restante do elenco (Russell Hornsby, Peyton Jackson e a pequena Estella Kahiha) não faz feio. 

A direção de fotografia comandada por Pawel Pogorzelski (de "Hereditário" e "Beau Tem Medo") é precisa pois precisa contar essa história visualmente num ambiente solar que vai perdendo a luz do sol aos poucos - e, ainda por cima, manter a coerência narrativa com o passar das horas na trama. Talvez o único deslize real sejam nas cenas gravadas no cenário do sótão, em que a iluminação era precária e não fotografa tão bem quanto deveria. Ainda que a história pedisse por iluminação mais natural (no caso, de uma lanterna), o resultado é menos do que satisfatório. 


Já a trilha sonora composta pelo veterano Lorne Balfe (de "A Última Noite" e "Dungeons & Dragons - Honra Entre Rebeldes") opta por uma abordagem mais minimalista, com poucos acordes esticados para gerar tensão e uma certa opressão em muitos momentos de forma certeira. Coisa fina.

"A Mulher no Jardim" é o conjunto de acertadas decisões, tratando temas delicados como luto, depressão e ideação suicida sem espetacularização ou desdém, demonstrando não somente respeito e dedicação à coerência narrativa como à inteligência da audiência (por que choras, "Thunderbolts*"?).


Uma muita bem vinda lufada de ar fresco à seara do tão combalido mercado do terror psicológico e até sua curta duração - menos de uma hora e meia - faz desse um perfeito exemplar para entretenimento e reflexão nestes confusos tempos atuais. Assista, reflita e tire suas próprias conclusões.

(Se você, que acabou de ler essa crítica, está passando por momentos de depressão, procure ajuda. Entre em contato com o CVV ou procure um profissional médico urgentemente. Eu acredito em você. Pode até demorar, eu sei, mas vai dar tudo certo...)



Kal J. Moon mora numa casa precisando de reformas, não comeria ovos mexidos temperados com Doritos e também não gosta das partes assustadoras.

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