Conciliando elementos fantásticos da ciência e tecnologia com a crítica social, como uma típica narrativa de ficção científica, "Clonaram Tyrone!" é uma das melhores novidades do gênero em anos. Mas será que também consegue reproduzir o bom resultado de clássicos do estilo?

Direto da Fonte
Estrelada por John Boyega (da nova trilogia "Star Wars" e do recente "A Mulher Rei"), Jamie Foxx (de "Dupla Jornada") e Teyonah Parris (a Monica Rambeau do vindouro "As Marvels"), a obra aborda de forma ousada e divertida a discussão das desigualdades sociais e do racismo, mazelas que ainda assolam persistentemente nossa sociedade.

Mas diferentemente do que muitos estão acostumados em grandes produções sci-fi - geralmente ambientadas num distante futuro distópico repleto de tecnologias irreais -, esta se passa em uma periferia urbana de alguma cidade americana, mas de fácil identificação para qualquer um que viva em ambiente semelhante.

Além disso, a ausência de definição cronológica, somada ao visual um tanto retrô, torna a percepção do público ainda mais abrangente, pois permite à diversas gerações se identificarem com a narrativa - algo muito parecido com que é visto em adaptações relacionadas ao universo de Batman, por exemplo.

Na história, o traficante Fontaine (Boyega) - na companhia do cafetão Slick Charles (Foxx) e da profissional do sexo Yo-Yo (Parris) - descobre que foi clonado, o que os coloca na trilha do que pode ser uma conspiração ainda maior. Imbuídos de curiosidade, desconfiança e inspirados pelos romances infantojuvenis estrelados pela detetive adolescente Nancy Drew, eles partem em busca de respostas, incluindo o motivo pelo qual se dariam ao trabalho de duplicar alguém pelo qual (muitas vezes) ninguém normalmente daria falta.

A perspicaz direção de Juel Taylor (da série "Twenties" e roteirista de "Creed II") conduz a narrativa num ritmo devidamente cadenciado, sem ser enfadonho. Tudo começa com o que seria apenas mais um dia na vizinhança de Glen, até que o trio de protagonista se depara com os bizarros acontecimentos que os lançam em sua misteriosa jornada, culminando numa impactante e inesperada conclusão.

Também é possível notar o agradável equilíbrio entre os diversos tons que embalam a história, desde o drama urbano até o suspense, passando por momentos de comédia e violência - tudo trabalhando de forma coesa para o desenvolvimento da trama, consequência direta da parceria do próprio Taylor com Tony Rettenmaier (de "Space Jam - Um Novo Legado") na concepção do roteiro.

Contudo, a tecedura da obra não é embasada apenas no roteiro e na direção. A edição precisa de Saira Haider (do primeiro "Creed") contribui para o bom andamento da trama. Além disso, a direção de fotografia de Ken Seng (de "O Exterminador do Futuro - Destino Sombrio"), a direção de arte da dupla Nathan Krochmal (da série "Lovecraft Country") e Jesse Rosenthal (de "Pantera Negra -Wakanda para Sempre"), com a cenografia assinada pelo trio R. Travis Beck (da série "Miracle Workers"), Sarah Carter (de "Rise") e Sophie Neudorfer (de "Army of the Dead") conferem a composição visual necessária para manter a atenção do espectador.

Tudo muito bem embalado pela trilha sonora original da dupla Pierre Charles (de "Bridgerton") e Desmond Murray (estreante em composição para longas) e por clássicos como "Don't Stop Till Get Enough", do eterno Rei do POP Michael Jackson. Obviamente, numa produção de ficção científica não poderiam faltar efeitos visuais e especiais devidamente convincentes, cortesia das respectivas equipes encabeçadas por Ndosi Anyabwile (de "Samaritano") e Mark R. Byers (do recente "Air -A História Por Trás do Logo").

As atuações também são primorosas, mesmo que em alguns momentos possam parecer exageradas ou caricatas, mas que, na verdade, são parte da caracterização das personagens. Com destaque especial para Boyega, por motivos esclarecidos pelo desenrolar da trama. O elenco ainda conta com outros nomes de destaque como Kiefer Sutherland (eterno Jack Bauer de "24 Horas" e recentemente protagonizando a série "Rabbit Hole - Jogo de Mentiras"), David Alan Grier (veterano comediante, que esteve no recente "A Bela e a Fera: Celebrando os 30 anos") e Leon Lamar (da série "Mulher-Hulk"). Inclusive as interpretações são realçadas pelo caprichoso trabalho de maquiagem liderado por Terrell Mullin (do recente live action "Pinóquio").

Também é importante mencionar o vistoso figurino idealizado por Francine Jamison-Tanchuck (do recente "Emancipation - Uma História de Liberdade" e do vindouro "A Cor Púrpura") que cai como uma luva em cada personagem acentuando suas caracterizações, especialmente para o trio protagonista. Durante boa parte da exibição, eles estão iconicamente trajados com tons variantes das cores do pan-africanismo, ajudando a enfatizar de que há uma bandeira hasteada a ser defendida e que representa um ideal.

A conclusão da história é surpreendente dentro do contexto do enredo, mas, infelizmente, não em comparação a comportamentos e pensamentos que presenciamos frequentemente na vida real. A reviravolta apresentada é impactante e não deixa o público imune ao questionamento dos problemas que ainda precisamos enfrentar no mundo em que vivemos. Principalmente à audiência brasileira, que ainda se lamenta acerca de discussões infrutíferas sobre as razões ideológicas de alguns de nossos autores, em vez de realizarmos produções inspiradas em suas obras para causar a mesma reação em nós e, quiçá, no restante do mundo.

Por fim, "Clonaram Tyrone!" é mais do que diversão garantida. É uma fenomenal obra integral de ficção científica, que certamente auxilia a digerir melhor as reflexões sobre nossas relações sociais. Poderia ser o "Corra!" deste ano, mas parece que a limitação de ser uma obra da plataforma paga de streaming Netflix restringe seu alcance tanto entre o público quanto em meio à crítica. Fato a se lamentar, considerando o alto nível de qualidade da obra. Ainda assim, se mantém figurando entre os filmes mais assistidos da plataforma. Resta a esperança de que seus predicados também sejam replicados em outras produções.


Antonio Carlos Lemos garante que é único e irreplicável, mesmo que existam outros por aí com um nome parecido.

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