Dirigido por Matt Reeves e estrelado por Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Jeffrey Wright, Colin Farrell, John Turturro, Andy Serkis e grande elenco, "Batman" é a mais nova tentativa da Warner Bros de trazer algo cinematicamente novo ao personagem criado por Bill Finger e Bob Kane. Será que deu certo? Ainda bem que perguntou...


Uma colcha de retalhos sombria e "realista" 
O filme "Batman" de 2022 é a décima-primeira vez que se tenta contar uma história com a criação máxima das histórias em quadrinhos lançadas pela DC Comics - vale lembrar que a editora se chama "DC" por conta da revista "Detective Comics", onde o Homem-Morcego fez sua estreia no final da década de 1930 e começo da década de 1940. 

Mas também não podemos nos esquecer que o projeto - que teria o vilão Exterminador - originalmente seria capitaneado por Ben Affleck como parte do acordo para interpretar o Paladino da Justiça no filme "Batman V Superman". Porém, após diversos problemas de produção, desde reescrita de roteiro, desaprovação de argumento, reprimendas veladas da parte dos produtores para desvencilhar as futuras produções envolvendo personagens da DC Comics dos filmes dirigidos por Zack Snyder - que acabaram levando a vida pessoal do ator e diretor a um colapso, terminando seu casamento com a atriz Jennifer Garner e exacerbando sua dependência alcoólica (que ele tratou numa clínica de reabilitação) - fizeram com que mudasse de mãos, sendo oferecido a Matt Reeves, que primeiro recusou-se a participar, recusou os rascunhos de roteiro escritos por Affleck e sua trupe - chegou a declarar que tinha uma vibe meio "James Bond" -, mas, após a saída do ator, propôs uma mudança de rumo, uma espécie de "universo paralelo" sem qualquer ligação com os filmes que estavam sendo feitos com aqueles personagens na época. Esse projeto está em desenvolvimento desde 2017 mas começou sua produção efetivamente a partir do início de 2019 - com diversas paradas por conta da pandemia no final daquele ano.

Na trama do novo filme, no segundo ano desde que se empenhou em proteger as ruas como Batman, provocando medo no coração dos criminosos, Bruce Wayne (Pattinson) mergulhou nas sombras de Gotham City. Com apenas alguns aliados confiáveis – Alfred Pennyworth (Serkis), além, claro, do comissário James Gordon (Wright) – em toda a rede de corrupção de personalidades de destaque e funcionários da cidade, o vigilante solitário tornou-se a única esperança de vingança entre seus concidadãos. Porém, quando um assassino mira a elite de Gotham com uma série de maquinações sádicas, um rastro de pistas enigmáticas leva Batman - conhecido como o Maior Detetive do Mundo -, a investigar o submundo da cidade, onde encontra personagens como Selina Kyle, a Mulher-Gato (Kravitz), Oswald Cobblepot, também conhecido como Pinguim (Farrell), Carmine Falcone (Turturro) e Edward Nashton, também conhecido como Charada (Dano). À medida que surgem evidências e as ações do criminoso apontam para uma direção mais clara, Batman precisa forjar novas relações, desmascarar o culpado e trazer justiça a Gotham City, há tanto tempo atormentada pelo abuso de poder e pela corrupção. 


O novo "Batman" é praticamente um filme esquizofrênico em matéria de tom. Ainda que o roteiro seja monocórdico em sua hora e meia inicial - tornando-o um verdadeiro exercício de paciência mesmo para o espectador acostumado à narrativas menos apressadas -, tudo muda a partir do momento em que as respostas começam a serem desvendadas, o que faz com que o ritmo mude e, principalmente, parte da narrativa. Então, a partir daí, temos comédia, drama, ação, suspense e até uma pitada de terror visual muito bem vindos após a morosidade de seu princípio. É como se alguém dissesse que não tem o dia todo para assistir essa jornada e que aquilo é um filme, não um seriado de TV.

Porém, o roteiro escrito por Peter Craig (de filmes como "Atração Perigosa" e "Herança de Sangue") e do próprio Reeves (do ótimo "Deixe-me Entrar" e de dois filmes da controversa trilogia mais recente da saga "Planeta dos Macacos") oscila não somente em questão de tom mas também - e principalmente - em matéria de coesão narrativa. Tomando por base partes de bat-histórias em quadrinhos como "Batman: Ego", "Batman: Terra Um" e "Batman: O Longo Dia das Bruxas" (além de citações de outras histórias menores e até menções às narrativas encontradas em games recentes), a trama virou uma colcha de retalhos que se propõe "realista" - ou o mais próximo disso, tal qual o diretor Christopher Nolan nos presenteou com sua trilogia iniciada em 2005 - mas ao tentar "emburrecer" diversos personagens para que Batman seja considerado "o melhor detetive do mundo", acaba cometendo diversos deslizes e derrapadas, mostrando que até a audiência é mais inteligente que o Cruzado Embuçado (repare numa cena envolvendo a língua espanhola e o Pinguim para entender onde quero chegar). É um filme de investigação criminal ao estilo "Seven - Os Sete Crimes Capitais" ou "Zodíaco" (ambos dirigidos por David Fincher), sim, só que não um filme lá muito bom...


No campo da atuação, apesar do roteiro canhestro em diversos momentos, temos destaques veementes como Zoë Kravitz e sua Selina Kyle / Mulher-Gato (que não é chamada assim em nenhum momento), com uma dualidade entre vingança e justiça bem próximos das inspirações da personagem em quadrinhos como "Batman: Ano Um" (de onde "rouba" seu visual, incluindo sua etnia) e o já citado "Batman: O Longo Dia das Bruxas" (de onde vem um das maiores reviravoltas da trama do novo filme em relação à personagem, que pode não agradar todo mundo e que se assemelha a algo insinuado sobre Arthur Fleck no recente "Coringa"). Jeffrey Wright traz um Comissário Gordon bem diferente do que se está acostumado, talvez um pouco brincalhão demais (algumas das piadas involuntárias do filme vêm inclusive de sua "burrice" em relação à "esperteza" do Batman), mas, mesmo com muitas cenas, nada com muito destaque dramático. John Turturro está cativante com uma versão "light" do mafioso Camine Falcone (tanto que não se entende a pouca quantidade de cenas com um personagem tão importante à trama - nem a resolução à sua personagem). Andy Serkis faz um Alfred bem burocrático, não acrescentando nada novo à personagem e ainda trazendo uma ambiguidade que soa estranha à alguém que deveria ser o protetor legal de um órfão.

E não podemos deixar de falar de Colin Farrell com uma versão do aprendiz de mafioso Pinguim bem próxima dos quadrinhos. Além de estar irreconhecível - em parte devido ao inacreditável trabalho de maquiagem comandado por Kat Ali (do recente "Cruella") -, até sua voz e seu tom sarcástico / divertido trazem uma nova luz ao personagem, deixando um tanto próximo da versão do cultuado seriado "Batman" (1966). Infelizmente, assim como Turturro, tem pouquíssimo tempo de tela (mesmo assim, ainda mais que Turturro) mas rouba cada cena que participa. Já Paul Dano, um dos melhores atores de sua geração, desempenha bem seu papel estando completamente encapuzado como o vilão Charada mas quando é preso e interrogado que pode mostrar todo seu talento. O que pode, à princípio, parecer uma cena feita para servir de uma possível indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante - e é bem provável que seja essa mesma a intenção -, a citada cena mostra toda uma miríade de mini-escalada de sentimentos que eclode numa interpretação magnífica, digna apenas de baluartes das artes cênicas.


O principal problema dentre os atores é justamente Robert Pattinson e seu Batman / Bruce Wayne. Por conta de algumas falas que até poderiam envergonhar roteiristas amadores, o ator não consegue alcançar uma interpretação coesa em matéria de composição de personagem. Ainda que se possa usar a "desculpa" de que o personagem ainda é jovem, inexperiente e, por isso mesmo, "imprevisível" em matéria de sentimentos, essa "muleta" só seria justificável se Wayne fosse pré-adolescente e não é o que a trama apresenta. O fato do personagem estar praticamente dois terços da rodagem com uma pesada fantasia fez com que a direção de fotografia apostasse em muitos close-ups para destacar os olhares do ator e suas reações. O que, a princípio, é totalmente compreensível por conta da proposta de vermos a investigação detetivesca do personagem, acaba limitando a capacidade do ator em muitos momentos que poderiam ser melhor resolvidos dramaticamente falando caso não estivesse usando o uniforme o tempo todo. Não se tem empatia nem dá para se compadecer de sua personagem. O que é uma pena pois o ator se esforça para atender à visão do diretor. Mas quando vemos o esforço, vemos o ator, não o personagem...

A cinematografia comandada por Greig Fraser (indicado ao Oscar por "Lion - Uma Jornada para Casa" e mais recentemente por "Duna") é funcional até certo ponto, angulosa e emulando o trabalho de quadrinistas como Frank Miller e Lee Bermejo mas com muitas "homenagens" (isso para não chamar de plágio) aos filmes comandados pelo já citado Nolan (pelo menos umas três cenas podem fazer o espectador dizer "não vai nem disfarçar?!", tamanha a semelhança) e até mesmo Joel Schumacher (a cena da luta na boate remete a algo parecido no infame "Batman & Robin"), tornando seu trabalho um tanto derivativo demais para um filme do gênero. A produção também parece querer se aproximar de um ambiente claramente baseado em filmes noir, mais especificamente em "Blade Runner" (dirigido por Ridley Scott em 1982), não somente no clima chuvoso da cidade mas também com diversos personagens moralmente ambíguos aos montes. Não parece haver uma alma boa de fato em Gotham City, uma cidade sempre à beira do apocalipse.


A trilha sonora composta por Michael Giachinno é, provavelmente, a mais preguiçosa e "cansada" desse notório compositor. Baseando-se principalmente nos acordes de "Something in the Way" (da banda Nirvana, que aparece em dois momentos deste filme) misturado com a marcha fúnebre e, talvez, um quê da Marcha Imperial de John Williams na saga Star Wars, o que se ouve quase induz ao sono - exceto por duas faixas bem específicas, justamente as que permeiam nas cenas de ação. Lembrando que este compositor já nos entregou temas empolgantes como a formidável "Os Incríveis" (2004) ou da nova trilogia "Star Trek" (2009 - 2016). 

O figurino de Jacqueline Durran (do recente "Spencer") é correto, embora não haja destaques. O bat-traje desenvolvido pela dupla David Crossman e Glyn Dillon (ambos de "Rogue One") é bem funcional e até elegante em determinados momentos - lembrando o design desenvolvido em alguns games recentes - mas está longe de ser dos mais marcantes da história da cinematografia do personagem. A direção de arte comandada por Grant Armstrong (de "Kingsman: O Círculo Dourado") é eficiente, transformando Gotham City e diversas partes da cidade com seus muitos cenários parecerem reais, sem charme e suja como algo que veríamos no dia-a-dia, assim, claro, como o impressionante novo bat-móvel.


O real problema é que Reeves e sua trupe entregam um filme que não empolga 100% e que é sem alma como uma história genérica do Homem-Morcego. Mas, por outro lado, vendo a lista das histórias em quadrinhos que inspiraram essa trama, a maioria foram escritas visando uma nova geração de leitores e sempre são indicadas para quem nunca leu um gibi do maior defensor de Gotham. Talvez seja essa a intenção: entregar um filme para quem nunca assistiu no cinema algo estrelado pelo "maior detetive do mundo". Mas acabou entregando, por conta de suas questionáveis escolhas criativas, algo asséptico e sem muito carisma (até tem mas não vinda do protagonista) como um filme genérico e esquecível de James Bond (ha!), que se assiste com pouco ou nenhum interesse. E, mais uma vez (honrando a tradição), Batman é coadjuvante em sua própria produção cinematográfica, independente da quantidade de tempo que aparece na telona.

"Batman" investe em desenvolver pouco sua trama, resolver um tanto apressadamente ao final para expandir depois esse novo "universo" nas vindouras séries de TV / streaming em desenvolvimento do Pinguim, Mulher-Gato e do Asilo Arkham (num acordo parecido com o de Dennis Villeneuve com o recente "Duna", onde desenvolverá seriados para expandir aquele universo abordado no filme) e entregar algo que até entretém mas está longe de ser essa tubaína toda que estão falando por aí. Porém, como uma ironia do destino, essa é a mesma estratégia adotada pelos executivos e produtores da Marvel Studios desde o fim da fase mais recente no cinema que se encerrou em "Homem-Aranha: Longe de Casa". Pois é, Reeves queria originalidade mas copiou de um monte de lugares e, vejam só, até seus maiores concorrentes. Triste... O resultado é divisivo: pode agradar a novas audiências que não conhece os quadrinhos e até enfurecer a quem acompanha de perto as desventuras do personagem na nona arte.




Kal J. Moon continua querendo saber que fim levou o Robin...

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